Confesso que a China sempre foi um ponto cego no meu mapa mental. Enquanto outros destinos me chamavam com promessas óbvias, o “império do centro” permanecia nebuloso, quase abstrato. Até que um envelope preto mudou tudo isso, propondo uma jornada de dez dias por Pequim, Hangzhou e Xangai.

Não pesquisei nada antes de partir. Estratégia proposital de uma pessoa viciada em surpresas, queria que a China me revelasse seus segredos sem filtros ou expectativas preconcebidas. O que descobri foi um país que desafia qualquer tentativa de simplificação.

Loja de óculos Gentle Monster, em Xangai. Maria Helena Pessôa de Queiroz

Talvez a maior surpresa tenha sido a cordialidade genuína dos chineses que encontramos. Alex Li, gerente-geral do hotel Amanfayun, em Hangzhou, nos recebeu com uma gentileza tranquila que imediatamente nos fez sentir em casa. Dindin, nosso motorista em Xangai, transformava cada trajeto em pequenas descobertas sobre a cidade. Havia uma atenção sincera em sua forma de cuidar de nós, sempre antecipando nossas necessidades. Essa cordialidade não era a polidez protocolar que esperamos em viagens, mas algo mais caloroso, mais humano.

Os chineses que encontramos tinham uma curiosidade genuína sobre o Brasil, fazendo perguntas que iam além dos clichês óbvios.

Estação de trem na cidade de Hangzhou. Maria Helena Pessôa de Queiroz
Lago de carpas do Amanyangyun, em Xangai. Maria Helena Pessôa de Queiroz

OUTRAS CULTURAS

Em Pequim, a sensação era dupla. Por um lado, a presença constante da vigilância eletrônica criava uma atmosfera que oscilava entre segurança e controle. As ruas impecavelmente limpas e organizadas contrastavam com a inquietação de quem se sente constantemente observado.

A Praça Tiananmen, com seu silêncio pesado, materializava essa sensação de estar em uma realidade paralela. Por outro, havia a majestade incontestável da história. Caminhar pela Cidade Proibida era como folhear um livro de história vivo. Cada pavilhão, cada detalhe ornamental contava séculos de refinamento imperial. Na Grande Muralha, o vento gelado carregava ecos de uma civilização milenar.

Uma vista de Pequim entre o passado e a modernidade. Maria Helena Pessôa de Queiroz

Mas foi no Palácio de Verão que a China imperial me conquistou definitivamente. Construído no século 18 como refúgio dos imperadores da dinastia Qing, o palácio é um oásis de pavilhões, templos e jardins ao redor do Lago Kunming. A sensação de caminhar por esses espaços enquanto o lago congelado refletia a luz suave da manhã era como uma viagem no tempo.

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Teresa Perez Collection

Depois de seis horas de trem, uma escolha proposital para observar as paisagens em transição, chegamos à cidade apelidada de “o paraíso na Terra”. Não demorou para que eu entendesse o porquê. Ainda no carro, o tempo já parecia diferente: mais lento, mais contemplativo. O Amanfayun ocupa a área de um antigo bosque que pertenceu a templos budistas, organizando- se como uma vila chinesa histórica com vielas de pedra, telhados de azulejos escuros e pavilhões entre bambuzais e plantações de chá.

A arquitetura preservada mantém a atmosfera autêntica, onde o luxo não está no brilho, mas no silêncio entre os muros de pedra. Navegamos pelo Lago Oeste em um barco tradicional chinês, deslizando pelas mesmas águas que inspiraram a criação do Lago Kunming no Palácio de Verão. Um cenário tão poético que, por séculos, serviu de musa para poetas, pintores e imperadores.

Os contornos da marcante Cidade Proibida. Maria Helena Pessôa de Queiroz

O CENTRO DE TUDO

Se existe uma cidade que materializa as contradições chinesas, é Xangai. O hotel Amanyangyun, onde nos hospedamos, já contava uma história impressionante: mais de 10 mil árvores centenárias e 50 casas históricas das dinastias Ming e Qing foram transportadas de Jiangxi para impedir que desaparecessem devido a uma barragem. Um projeto épico de preservação que resultou em um santuário onde passado e futuro convivem.

Mas foi no centro da cidade que o paradoxo se materializou completamente. No Bund, graças às concessões europeias do passado, houve momentos em que me senti em Londres ou Paris. Atravessando para Pudong, fomos imediatamente lançados ao futuro: arranha-céus que pareciam saídos do mundo dos Jetsons.

Oriental Pearl Tower em Xangai. Maria Helena Pessôa de Queiroz

Não há tensão entre esses dois mundos. Eles coexistem com uma naturalidade que só se consegue na China, onde desenvolvimento não significa necessariamente ocidentalização.

Com a China aprendi que podemos ser profundamente diferentes e, ainda assim, profundamente conectados. Enquanto o mundo debate se a modernização exige o abandono das tradições, os chineses simplesmente seguem em frente, reinventando-se sem perder a essência, sem deixar de reverenciar sua história e seu legado.

A China me ensinou que alguns dos melhores destinos são aqueles que nunca imaginamos visitar.

Construção dentro do hotel Amanyangyun. Maria Helena Pessôa de Queiroz
Loja de óculos Gentle Monster, em Xangai. Maria Helena Pessôa de Queiroz

Quando chegou a hora de partir, senti uma pontada inesperada no coração. Não era apenas o fim de uma viagem, mas o término de uma descoberta. A China havia me mostrado uma complexidade que nenhuma narrativa simplista consegue capturar.

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Não trago apenas fotos e lembranças. Trago uma lição sobre a arte de olhar além das narrativas prontas, sobre a importância de se permitir ser surpreendido. A China me ensinou que alguns dos melhores destinos são aqueles que nunca imaginamos visitar.

Hoje, meses depois, ainda sinto os efeitos dessa jornada. Mudou minha perspectiva sobre desenvolvimento, sobre tradição, sobre a capacidade humana de reinvenção. É uma China que só se revela para quem chega sem pressa de entender tudo, disposto a simplesmente sentir. E essa China, agora, é minha para sempre.

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