DIAS E NOITES NA ANTÁRTICA - The Traveller
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Em menos de 30 dias, estive por duas vezes na Antártica, a primeira delas a bordo de um navio e agora em uma expedição por terra. É difícil começar a contar o que vivi nos seis dias dessa minha última passagem no continente, mas talvez consiga definir como uma jornada repleta de significados.

Antes da partida eu escolhi não ler ou saber detalhes da dinâmica dessa nova viagem – minha ideia era simplesmente ir e sentir. Foi uma forma de evitar a ansiedade e também de me permitir ser tocado por tudo o que viveria – por exemplo, em Atka Bay, ao caminhar na imensa colônia de pinguins-imperadores, com mais de 14 mil animais, bem na época dos filhotes recém-nascidos. Curiosos, eles não têm medo de humanos, e chegaram a poucos metros de nosso grupo. A atmosfera de aventura se fez presente em muitos momentos, como ao cruzar os túneis na geleira próxima de Whichaway. Muito mais do que uma caminhada com crampon – grampos de aço acoplados na sola das botas –, tratava-se de uma breve jornada a um outro planeta.

Os tons de azul eram tão surreais que nenhuma câmera conseguiria captar. Agora percebo quanta beleza há nessa incapacidade. Algo diferente de tudo o que já vivi, num local muito remoto, cênico, sem sombra de civilização. Inspirado, captava a Antártica em estado bruto. Foi preciso viver aquilo, ver tudo bem de perto. Quem vai a partir de janeiro encontra os túneis transformados em rios translúcidos e azulados. A paisagem se transforma à medida que o verão avança por lá.

Colônia de pinguins-imperadores White Desert/Divulgação

WHITE DESERT

Todas essas experiências fazem parte de uma viagem singular da operadora White Desert, que há alguns anos consegue a façanha de manter ótimos lodges no mais especial e hostil dos continentes, oferecendo algo que foge – e muito – do convencional, até mesmo naquelas latitudes.

Afinal, a grande maioria dos viajantes que vão à Antártica hospeda-se em navios pequenos muito confortáveis, que operam principalmente na Península Antártica. Minha primeira vez no continente, inclusive, foi assim. Porém, pouquíssimos têm a chance de dizer que pousaram no chamado Continente Gelado e, mais do que isso, puderam pernoitar com todo conforto em terra (ou melhor, sobre o gelo). Caminhar, pedalar e esquiar são verbos restritos a uma minoria de visitantes.

A viagem de ida a partir da Cidade do Cabo pode ser feita a bordo de um Airbus A340 ou de um jato Gulfstream G550; e, após cinco horas, o pouso é realizado na única pista homologada para turismo na Antártica, em Wolf’s Fang. As possibilidades de programas são inúmeras, podendo incluir até uma esticada em outra aeronave adaptada até o Polo Sul, a cerca de sete horas de voo de Whichaway. É impossível prometer ou garantir qualquer passeio, já que todos estão sujeitos ao tempo fora dos lodges. Mas a oferta de atividades ao ar livre é riquíssima, e vai de pedaladas em fat-bike, com pneus bem grossos, até caminhadas e escaladas em montanhas ao redor, sempre ajustadas de acordo com o preparo físico e disposição de cada grupo.

Ou seja, é aquele tipo de experiência que não se resume aos experts em expedições, ao contrário: alcança todos que têm vontade de sair do óbvio, do lugar-comum, e viver emoções autênticas. Por isso, todos os viajantes que conheci nessa jornada – um grupo no qual eu era o único brasileiro – pareciam ter em comum a curiosidade e o apetite por encher suas retinas com visuais impressionantes e voltar com a certeza deque vivenciaram sensações inéditas.

Passeios de fat-bike pela imensidão branca da Antártica
Whichaway abriga a pista de pouso principal do White Desert
White Desert Kelvin Trautman

PANORAMAS DIFERENTES EM CADA CANTO DA ANTÁRTICA

Para locomoção entre um lodge e outro da White Desert, o meio usado é o avião, com voos curtos e pouso sem pistas sobre o gelo que dão acesso direto a cada um dos lodges. Uma das boas surpresas dessa viagem foi descobrir que em cada um dos lodges há um panorama diferente, unidos por um conceito de estrutura pensado em detalhes.

Whichaway foi o primeiro lodge instalado na Antártica e também funciona como centro de controle para os outros lodges, além de abrigar a pista de pouso principal. É a porta de entrada para a experiência, um daqueles lugares que lembram um oásis de aconchego com vista para lagos de água doce. É aqui que estão instalados seis skypods aquecidos, com design de interiores que evoca imagens da rica herança de exploração da Antártica. Os domos que formam o campestão a curta distância um do outro e, juntos, formam um complexo que conta com biblioteca, lounge, cozinha e área de jantar, que é um espaço maravilhoso para relaxar com vistas incríveis.

O camp com seus "skypods" White Desert/Kelvin Trautman

Quem procura por uma dose a mais de adrenalina encontra em Wolf’s Fang o lugar perfeito. Esse segundo camp é emoldurado por algumas das cadeias de montanhas mais impressionantes da Antártica e, além desse cenário, tem inúmeras opções de atividades, como rapel, escalada no gelo e caminhadas com auxílio de cordas. A estrutura de apoio é semelhante à de Whichaway, com lounge, biblioteca e área de refeições à disposição dos hóspedes. O terceiro e mais recente camp da White Desert é o Echo. De arquitetura ultra futurista, ele incorpora o design da era espacial a seus sky pods formados por seis bangalôs de fibra de vidro com janelas do chão ao teto, o que permite aos hóspedes mergulhar na paisagem surreal. Fotos originais tiradas da Estação EspacialInternacional (ISS) pelo ex-comandante, hóspede da White Desert e astronauta aposentado, Terry Virts, compõem a decoração.

O que todos os viajantes que conheci nessa jornada parecem ter em comum é a curiosidade e o apetite por encher suas retinas com visuais impressionantes e voltar com a certeza de que vivenciaram sensações inéditas.

Inspirações de autodescoberta na imensidão branca da Antártica White Desert/Kelvin Trautman

CONCEITOS SUSTENTÁVEIS E SERVIÇOS COMPLETOS

Os três camps da White Desert mantêm uma regra em comum: são projetados para serem facilmente desmontados e removidos durante o outono e o inverno, sem deixar rastros. O zelo com o meio ambiente é uma preocupação real e nítida o tempo todo. Este foi um dos fatores que mais me impressionaram.

Os lodges usam aquecedores solares de ar com tecnologia que possibilita minimizara dependência de combustível fóssil. A utilização de plástico é mínima, e sabões, detergentes e agentes de limpeza são biodegradáveis. Em consonância com o Acordo de Paris e a meta Net Zero do Reino Unido, a White Desert pretende substituir todo o combustível do Jet A-1 que usa na Antártica num período de três a cinco anos. O Combustível de Aviação Sustentável (SAF, em inglês) será usado em todos os voos dentro da Antártica. Produzido com óleos e gorduras residuais por meio de um processo inovador que reduz significativamente as emissões de carbono, criando uma pegada de carbono 80% menor em comparação com o combustível tradicional. Além disso, a política da White Desert é de resíduo zero, com todo o lixo e dejetos humanos sendo levados de volta.

White Desert Kelvin Trautman

Completo, qualificado e atencioso são algumas palavras que usaria para definir cada serviço proporcionado aos hóspedes. Na equipe há desde chefs super caprichosos até montanhistas que já escalaram as maiores montanhas dos Alpes e do Himalaia. Antes da partida tivemos um ótimo briefing para sair do verão da Cidade do Cabo para o frio antártico. Tivemos até ajuda para arrumar a mala de mão minuciosamente. Ali percebi que minha lanterna de cabeça seria inútil, já que não anoitece durante o verão. Esse cuidado com os detalhes foi marcante. Na dinâmica do dia a dia, três refeições diárias de alta qualidade e ótimos lanches nos tours. Sempre que possível, pratos bem apresentados, com ingredientes excelentes e salada sempre fresca. É importante ressaltar a complexidade de manter uma logística tão minuciosa funcionando como uma engrenagem perfeita.

Hoje podemos definir uma viagem como uma maneira de nos descobrir-mos no mundo, e a experiência de estar na Antártica é garantia de vivências extraordinárias dia após dia.

Edição de texto Felipe Mortara e Alexandre Eça.

White Desert
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