
Ela investiu os 10 mil reais que tinha guardado para abrir a sua galeria em 2020. 5 anos depois, a artista paulistana se prepara para transformar a HOA em uma instituição sem fins lucrativos e com pretensões que vão além do lançamento de novos artistas, como a casa se acostumou a fazer.
Igi, a HOA existe desde 2020, mas a ideia de abrir a galeria já vem de muito antes. Como foi que a galeria saiu do papel e tomou forma?
A ideia de uma galeria existia faz um tempo e a HOA funcionava sem ter esse nome. Era um ateliê que eu tinha lá na Vila Anglo e que já compartilhava com diversos artistas, principalmente quando eu viajava por algumas temporadas para fora do país e lá funcionava um ateliê compartilhado e residência artística também. Mas ela virou House of Ayedun na pandemia, logo antes de ser decretado o lockdown da pandemia. Eu estava em Jerusalém e decidi voltar ao Brasil antes da quarentena. Foi aí que comecei a pensar em como poderia ajudar artistas que enfrentariam um momento de muita turbulência.
Você já voltou sabendo que abriria um espaço?
O meu trabalho começou a receber mais visibilidade na mídia e decidi usar isso ao meu favor ao mesmo tempo em que eu também pudesse causar algum impacto. Na época, estávamos em um contexto que não tínhamos mais o Ministério da Cultura e eu via diversos artistas que começaram junto comigo ou que tinham a mesma idade que eu passando por dificuldades financeiras. Aí veio a ideia da galeria. Aproveitei a semana da SP Arte para organizar encontros 1×1 entre colecionadores e artistas e assim fui promovendo a arte de diversos conhecidos que eu tinha. Foi aí que a chave começou a mudar na HOA.

Na SP Arte?
Nos encontros que aconteciam durante a SP Arte. Os 10 mil reais que investi no começo foram logo embora com o transporte de obras para São Paulo. Recebemos obras de artistas do Brasil inteiro e até da Europa. Com essas vendas conseguimos levantar mais de 250 mil reais. Os encontros deram super certo e daí para frente a HOA alavancou.
Foi a partir daí que você teve mais estrutura para colocar em prática o lado social da HOA?
Sim, mas esse lado sempre existiu. Mesmo com as vendas de obras a gente já fazia coisas que eram inéditas no mercado, como remunerar o artista com 60% do valor da obra e apenas 40% para a galeria. A lógica não era essa e até hoje não são todos os lugares que seguem um remuneração justa a quem realmente faz a arte. A prioridade com artistas periféricos e marginalizados, além do trabalho de captação de jovens artistas periféricos, também sempre existiu. É difícil falar quando começou, porque eu sempre fiz isso individualmente e a partir da HOA comecei a fazer isso institucionalmente também. Transformei toda essa visão em um business, mostrando que é possível criar e manter um negócio rentável, sustentável e de impacto social.
E o que fez você mudar isso e migrar para uma instituição sem fins lucrativos?
A vontade de impactar ainda mais e não ser mais uma empresa, mas uma organização de impacto. É algo que eu sempre vendi e agora estará mais estruturado. Desde sempre eu converso com os colecionadores e galeristas sobre a importância de investirem em arte periférica para além da parte estética. O investimento nesse tipo de obra muda a vida de jovens que sequer pensavam que viver de arte seria possível. Os programas que a HOA possui leva jovens artistas para residências europeias, parte do dinheiro é revertido para outros artistas que não possuem condições de investir no seu próprio trabalho e as outras iniciativas que temos ainda podem ser mais potencializadas com o fato de sermos uma instituição sem fins lucrativos.
O quanto você sente que esse tipo de discurso e iniciativa é compreendido pelo mercado e pelos colecionadores?
Acho que o mundo dos colecionadores é muito complexo. A arte no Brasil é complexa. Já tentei vender obras de artistas marginalizados que, no primeiro momento, não quiseram comprar. As pessoas diziam “acho muito bonita a ideia e a obra, mas não combina com a minha casa”. Depois de um tempo, quando esses mesmos nomes foram para galerias maiores e mais consolidadas, os colecionadores começaram a dar mais atenção e adquirir diversos trabalhos, inclusive os que tinham ignorado anteriormente. Eu entendo isso, porque era um momento em que o consumo de arte afro-brasileira e afro diaspórica não era como é hoje. Era muito menor. Eu sinto que a HOA contribuiu para um certo projeto de educar o colecionador brasileiro.
Por que isso mudou? Como você enxerga essa mudança nos hábitos de consumo?
Como eu vim de fora, eu sempre tive uma visão mais globalizada do mercado. O circuito que eu vinha era Paris – Marrakech – Jerusalém – Barcelona, mas posso dizer que o mundo inteiro estava falando de arte identitária ou periférica. Por aqui, a resistência ainda era enorme. Os trabalhos de arte contemporânea que tinham mais apelo ainda eram oriundos de ideias mais eurocêntricas, enquanto a visão de Brasil era uma visão mais estereotipada, cheia de clichês e até um pouco problemática. A minha ideia era falar de outras facetas de Brasil. De uma arte que talvez nunca tivesse sido ovacionada.
Aos poucos isso foi mudando e eu acho que o que contribuiu para isso foi um posicionamento maior das instiuições. O MASP teve a série tratando questões de identidade, a Pinacoteca também…acho que a internet e a revolução digital nas artes também contribuiu. Agora os colecionadores chegam mais informados nas feiras e bienais, praticamente sabendo o que querem e muitas vezes adquirindo itens que não costumavam estar no radar há alguns anos. Porém, ainda há muito o que fazer, porque realmente há um interesse maior, mas a produção ainda não condiz com a realidade brasileira.

Considerando o que você viu e viveu lá fora, quais eram as suas inspirações para falar de arte identitária?
É engraçado porque lá fora não tinha essa distinção. Começa a ser chamado de arte identitária quando chega no Brasil e esse movimento da HOA e, posteriormente, de outras casas e instituições, começa a ser chamado de arte identitária, mas eu sequer fazia essa separação antes.
As minhas referências sempre foram os movimentos de vanguarda. Bernadette Corporation é uma que sempre me inspirou, desde sempre. O que me inspirou desde o início foram os movimentos de arte e de transformação que inspiraram novos tempos e outros movimentos sociais. Fluxus é outro que sempre me serviu de referência. A Internacional Situacionista, do Guy Debord, também sempre foi fonte de inspiração, principalmente durante os 13 anos que eu morei na França. Tudo isso me inspirou um pouco.
Você comentou mais cedo sobre a capacidade do colecionador e do patrono de serem os influenciadores da arte, os mecenas. Como você vê isso hoje em dia?
Nos lugares em que viajei, isso ainda é muito forte. É engraçado, porque eu sou daqui, mas eu vim de fora. Eu me considero como alguém que veio de fora. No Brasil, essa coisa de mecenas não é igual lá fora. Nos países que passei os colecionadores são apaixonados por arte, porque sabem que assim eles também patrocinam a história. Não é pela vaidade de ter o objeto porque ele é bonito, mas porque ele realmente financia movimentos artísticos e, consequentemente, a história. Sinto que no Brasil temos colecionadores que querem possuir uma obra, não querem pensar nesse financiamento.
Mas também é algo que está mudando ou que você vê que vai mudar?
Eu acho que pode mudar, porque já foi assim antes. Se pensarmos no Modernismo ou na Tropicália, todo esse movimento foi praticamente financiado por famílias de burgueses. Os filmes, discos etc. Tinha alguém pagando por aquilo ali. Eu sinto que aqui no Brasil as pessoas esqueceram que o verdadeiro colecionador é aquele que financia a história da arte.
Falando um pouco sobre a nova fase da HOA, como instituição sem fins lucrativos, como isso vai funcionar?
Na prática, as atividades serão iguais as da galeria. A captação de artistas vai seguir, as exposições também. Muita coisa vai seguir igual, mas teremos novos cursos, capacitação de jovens artistas, cursos de gestão de carreira, empreendedorismo, bolsas de estudos, premiações e até intercâmbios e residências internacionais.
Como funciona essa captação de novos artistas?
São de várias formas. Temos desde as chamadas abertas para jovens artistas, passando pelos eventos da galeria, as exposições, apoio de empresas e também vamos até as comunidades acompanhar o que alguns jovens artistas fazem em suas casas, colégios etc. Alguns artistas que começaram aqui pintavam com tinta de parede em suas casas. Faziam trabalhos que tinham potencial, mas eram feitos em um pano de chão, utilizando tinta de parede. Com a gente, eles começaram a ter acesso a tinta acrílica de qualidade, chassi de madeira, uma boa moldura etc.

A ideia de transformar em uma instituição em fins lucrativos é para ter mais capilaridade?
Sim, eu quero ter mais escala. Somos muito conhecidos no nicho alternativo, mas quero chegar ainda mais longe. A arte contemporânea é complicada, porque às vezes você acha que o seu trabalho realmente é impactante e revolucionário, mas basta você pegar um metrô para ver que a grande maioria das pessoas sequer já ouviu falar de você. Queria que a HOA não tivesse barreiras para entrar em cada parte da sociedade.
Mas acima de tudo, queria que a HOA impactasse jovens e abrisse a cabeça de cada um deles a partir da arte.
Já temos alguma iniciativa para esse novo momento?
Sim, já começamos. Temos um prêmio aprovado pela Lei Rouanet, que será dado a 20 artistas esse ano. Serão 20 bolsas de 35 mil reais e acompanhamento curatorial durante um ano. Fora isso, lançaremos os cursos e residências europeias em breve. Precisamos captar.

E em relação ao seu próprio trabalho? O que vem de novidade por aí?
Além do Pavilhão do Rio Pinheiros, que deve ficar pronto esse ano, eu tenho estudado muito a Rota da Seda e estou desenvolvendo um trabalho sobre isso, associando à perenidade dos recursos naturais da Terra. A pesquisa e a produção vão nessa linha, mas eu não vou dar mais spoiler não, porque tem muita coisa interessante vindo por aí.
Vai ser uma exposição nova?
Vai ter que esperar para ver. Não posso falar agora, mas tem muita coisa legal fruto desses novos estudos da rota da seda. Só isso que posso dizer.