Os mordomos na hotelaria não se tornaram artigo raro. Pelo contrário: a hospitalidade de luxo, seja em alto-mar, seja em terra firme, tem cada vez mais mercado (e novas atribuições) para esse profissional tão dedicado e especializado.
Enquanto o céu já se mostrava alaranjado, com o sol prestes a ser engolido pelo mar, Marlon abriu o champagne com um sonoro “pop!” e uma risada gostosa: “Ah! Esse é o som da alegria, não é mesmo?”, brincou, derramando a bebida elegantemente dentro da minha taça. Membro do staff dos cruzeiros da Silversea há quase uma década, o filipino é a versão perfeita do novo mordomo da hospitalidade internacional: eficiente e prestativo, mas com genuína doçura e calidez — e até certa intimidade, conversando com naturalidade de política a séries do streaming e frivolidades cotidianas.
Servir refeições, organizar o closet, buscar roupas na lavanderia, levar à suíte uma garrafa do vinho elogiado durante o jantar, preparar banhos de sais ou noites especiais de cinema nas acomodações (com pipoca estourada na hora) são algumas de suas muitas iniciativas ao longo da viagem. Mas ele garante, sorridente: “No fundo, são as pequenas coisas, como aquele simples copo de leite com cookies para as crianças antes de dormir, que geralmente deixam os hóspedes mais felizes”.
Em oposição ao que se previu há alguns anos, os mordomos na hotelaria não se tornaram artigo raro. Pelo contrário: a hospitalidade de luxo, seja em alto-mar, seja em terra firme, tem cada vez mais mercado (e novas atribuições) para esse profissional tão dedicado e especializado — tanto que há cada vez mais cursos e institutos internacionais especializados na função.
Muito além de ser um profissional craque em fazer e desfazer malas, um bom mordomo é hoje a ponte perfeita entre o hóspede e os serviços oferecidos por uma propriedade. Afinal, diferentemente do restante do staff hoteleiro, que normalmente desempenha funções bem específicas, os mordomos têm uma abordagem bastante abrangente de serviços — e tudo que fazem requer extrema personalização.
Nova geração
O relacionamento entre mordomos e hóspedes geralmente começa com certo estudo prévio de personalidade, hábitos e preferências, antes mesmo da viagem, na tentativa de prever necessidades e solicitações com maior precisão.
Mordomos de redes hoteleiras como St. Regis e Raffles ou os indefectíveis Ladies and Gentlemen in Red da Kempinski são lendários e têm cada vez mais atribuições. No Çiragan Palace Kempinski Istanbul, aliás, eles são responsáveis até pelo peculiar “serviço de sabonete e perfume”: em um carrinho de chá, servem em generosas fatias os sabonetes artesanais da casa (que mais parecem bolos finamente decorados), parte de um ritual enraizado na tradição otomana.
A nova geração de mordomos tem profissionais mais diversos, menos formais e mais “locais”. O estereótipo de um “James” asséptico e cheio de pompa e mesuras, saído de um capítulo de Downton Abbey, é cada vez mais raro. Hoje, alguém “insider”, que saiba se ajustar rapidamente a distintas gerações, nacionalidades e estilos de hóspedes, parece ser a receita do sucesso.
Ter noção de cultura e tradições de diferentes nacionalidades e conhecer algo de arte, gastronomia, enologia e atualidades são características altamente desejáveis na profissão. É tudo parte da chamada “guestology”, a arte de compreender hóspedes e suas necessidades (de preferência, antes mesmo que eles as expressem), tão fundamental no exercício da função.
No idílico Kisawa Sanctuary, que ocupa parte da ilha de Benguerra, em Moçambique, cada uma das exclusivas oito villas é atendida por um profissional local 100% dedicado a ela, tanto para personalizar a adega quanto para organizar jantares à beira-mar, preparar o serviço de praia ou aparecer de repente, como num passe de mágica, com uma bebida geladinha para aplacar o calor tropical — em geral, com os mesmíssimos pés descalços dos hóspedes.
Gestores de férias
Hoje um mordomo desempenha diversas funções simultaneamente: maître, sommelier, barman, concierge, assistente pessoal… transitando facilmente da organização de experiências a processos logísticos. E rotina é uma palavra que definitivamente não existe.
“A conexão pessoal que se forma com esse profissional ao longo da viagem tem sido cada vez mais apreciada pelos mais diversos perfis de viajantes“
Com comunicação direta, pode rapidamente tirar qualquer preocupação ou “peso” dos ombros do hóspede. Não à toa, muitas propriedades passaram a adotar serviços de chat (como o próprio WhatsApp) para manter mordomo e hóspede conectados em tempo real.
Mais que “mimo”, essa função atualmente representa um valor agregado extremamente relevante para a estadia, porque é capaz de poupar muito tempo e energia do hóspede, deixando-o livre para o que realmente importa: curtir as férias.
Mas, que fique claro, a conexão pessoal que se forma com esse profissional ao longo da viagem tem sido cada vez mais apreciada pelos mais diversos perfis de viajantes. E, mais importante ainda, fundamental para a experiência geral no destino (afinal, ele também ajuda a criar o itinerário das férias).
Embora a frase “foi o mordomo!” tenha sido por tantas vezes a resposta-solução para filmes e livros de mistério, hoje, como em um grande plot twist, o mordomo tem sido mesmo é o grande herói das férias de muita gente.
























