Em um mundo dominado por selfies, onde as multidões disputam cada centímetro de terra como quem busca limonada com Wi-Fi grátis no deserto, a Islândia ainda é uma lufada de ar fresco com vista para um mar de rosas.

Uma ilha de gelo, lava e silêncio, com seu idioma impronunciável e palavras que formam verdadeiros trava-línguas, onde o luxo não está no excesso, mas no essencial: espaço, tempo, paisagem. Ali, a exclusividade está na ausência de filas, de barulho e de pressa e no convite à contemplação. Deixemos de lado, pelo menos por enquanto e enquanto durar a viagem, a busca desenfreada por sentimento de pertença para dar lugar às sensações e emoções trazidas pelo contato íntimo com uma natureza dramática, às vezes estranha em sua tênue combinação de delicadeza e força.

Aurora boreal em Reykjavík iStock/sumos

In loco, o inusitado e o surpreendente atravessam glaciares e vulcões, deságuam no mar cobalto, sobem rios cristalinos, emergem da terra negra em lava fumegante e escondem-se em florestas alucinantes de onde brotam fungos fantásticos que, em algum momento, vão estar no seu cardápio em Reykjavík, a capital, cuja população não ultrapassa a marca de 215 mil pessoas concentradas entre o Atlântico e o Círculo Polar Ártico. Gente superamistosa e hospitaleira que, talvez por isso, ainda não tenha sentido na pele o abraço de urso de um turista predatório.

Comecemos, então, por ela, pela capital, para uma road trip de 360 graus à terra natal de Björk e… bem, não há outro nome tipo exportação para mencionar — e que isso seja, inclusive, um motivo a mais para espreitar uma cultura ainda desconhecida na esquina do fim do mundo. É poesia gelada, chova ou caia neve, seja na aurora boreal, seja no sol da meia-noite. Que as luzes do norte se acendam!

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Reykjavík é uma mistura improvável de capital escandinava, vila de pescadores e galeria de arte ao ar livre. Em poucas quadras, você cruza cafés que mais parecem salas de estar assinadas por algum expatriado dinamarquês, lojas-conceito de lã quente o suficiente para enfrentar a vida — e a falta do ex — e restaurantes onde o pão fermenta com calor vulcânico.

Mas a Islândia não se revela inteira numa cidade, ainda que charmosa. O que o país quer mesmo é que você se perca pelas estradas — e nesse caso o verbo perder ganha contornos quase espirituais. Saia de carro seguindo a costa com uma trilha sonora de Sigur Rós ou apenas ouvindo o barulho da própria respiração e descubra que há um país inteiro esperando para ser devorado com os olhos.

Gêiser Strokkur iStock/Pkawasaki

O festejado Círculo Dourado, um trio de atrações que todo mundo visita e quase ninguém pronuncia o nome direito, é o início perfeito para o desapego do óbvio. Em Þingvellir (sim, com esse P que sabe-se lá que som tem), caminhe literalmente entre dois continentes: América de um lado, Europa do outro, e você no meio, usando luvas térmicas e refletindo sobre como fronteiras e limites dividem a humanidade que deveria estar mais unida do que nunca.

Mais adiante, o gêiser Strokkur solta jatos de água fervente a cada poucos minutos, lembrando que a Islândia está sempre pronta para explodir. E a Gullfoss, uma cascata dupla que parece ter sido desenhada por um diretor de cinema em crise existencial, te lembra que tudo ali não lembra nenhum outro canto do planeta.

Cachoeira Gullfoss iStock/Vince Barnes
Parque Nacional Thingvellir iStock/Mlenny

Continue pela estrada e deixe que a geografia se encarregue da programação. Cada curva revela um novo poema: uma cascata de 60 metros que propicia banho por trás da queda d’água, praias de areia negra como carvão e colunas de basalto que parecem ter sido empilhadas pela turma da Lego.

O SUL GLACIAL

A Islândia ainda reserva seu número mais dramático: o sul glacial. É onde o país se derrete (literalmente) em forma de lagoas de icebergs. Em Jökulsárlón, um barco desliza entre blocos de gelo azul-turquesa na companhia de focas e, em terra, a pedida é caminhar sobre o Vatnajökull, o maior glaciar da Europa — já deu para perceber que looks do dia em solo islandês é quase peça única, certo? Mesmo no verão, item indispensável é um doudoune para cortar o vento, além de um bom tênis com amortecedores. No inverno… bem, tudo que for leve e muito quente, tecnológico o suficiente para você não desafiar o Peta.

Cenário de Djúpivogur iStock/aimintang

Ao rumar para os fiordes do leste, o caminho fica mais rarefeito, mais artístico, mais estranho, e no melhor sentido. Em Djúpivogur, há uma instalação de 34 ovos de pedra que representam as aves locais — e isso, estranhamente, faz sentido.

No norte, o lago Mývatn é puro delírio geotérmico: crateras, fumaça, piscinas termais e cogumelos que fazem parte da dieta local. Vá aos Mývatn Nature Baths, a versão cool e sem fila da Blue Lagoon — é menos “influencer de roupão” e mais filme de Tarkovski com final feliz. Mais ao norte, em Húsavík, é hora de ver baleias — talvez as únicas multidões aceitáveis do turismo atual. Saia num barco pequeno e veja jubartes dançarem em câmera lenta.

Uma ilha de gelo, lava e silêncio, com seu idioma impronunciável e palavras que formam verdadeiros trava-línguas, onde o luxo não está no excesso, mas no essencial: espaço, tempo, paisagem.

E quando o corpo já estiver cheio de lembranças e o coração com vontade de ficar, volte para perto de Reykjavík e feche a jornada como deve ser: imerso nas águas azuis e quentes da Blue Lagoon. Vale fazer o tratamento facial com lava purificada e experimentar o restaurante Moss (bluelagoon.com/restaurant/ moss), com seus famosíssimos mexilhões islandeses e vinhos biodinâmicos.

Blue Lagoon iStock

Na Islândia, o tempo não corre: ele escorre lentamente entre gêiseres e glaciares, entre o café da manhã e a próxima luz do norte. E quando você menos espera, se pega desejando que o resto do mundo continue olhando para outro lado — para que esse canto esquecido siga sendo o último segredo em voz baixa da Terra.

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