Veneza é sempre notícia. Em maio de 2023, fotos de seus canais secos, reflexo de uma severa estiagem, circularam aos montes. Durante a pandemia, o retorno de peixes e cisnes às águas, que voltaram a ser cristalinas graças à menor movimentação de barcos, viralizou também. Sem contar a eterna especulação sobre a suposta data em que a Sereníssima vai afundar de vez.
Parodiando o escritor Tiziano Scarpa, autor do guia cultural Venice is a Fish, Veneza é um peixe que sempre cai na rede. E nunca sai da mira dos viajantes.
Scarpa alerta seus leitores para a “radioatividade estética” projetada pelas construções e obras de arte da capital do Vêneto. Como se esse acervo permanente não bastasse, até novembro há uma atração de peso a mais: a 18ª Bienal de Arquitetura, que traz, pela primeira vez, a Exposição Geral sob a curadoria de uma mulher negra – a arquiteta, acadêmica e romancista Lesley Lokko, escocesa de ascendência ganesa.
O tema escolhido por ela, Laboratory of the Future, provoca o evento a se colocar como um agente de mudança. Na prática, realiza essa ambição ao voltar os holofotes para a produção arquitetônica na África ou feita por arquitetos da diáspora africana (termo que se refere aos movimentos migratórios forçados pela escravização). Em números: dos 89 participantes escolhidos pela curadoria, metade tem essa origem. Um olhar para o passado e o presente em busca de um futuro mais igualitário.
ARSENALE E GIARDINI
O espaço expositivo mais próximo do centro, no bairro Castello, é o Arsenale, antigo estaleiro de estilo bizantino cujo conjunto de armazéns foi convertido, nos anos 1980, em centro de exposições. O passeio por ali oferece mais uma chance de entrar em contato com a cultura naval veneziana (para quem se interessa pelo tema, vale a visita ao Museo Storico Navale, localizado nos arredores). Além de abrigar o braço da ExposiçãoGeral batizado Dangerous Liasions, o Arsenale acolhe parte das mostras realizadas pelas representações nacionais (neste ano, são 63). Argentina, China, Cingapura e Itália terão seus espaços hospedados por lá.
Um olhar para o passado e o presente em busca de um futuro mais igualitário.
No mesmo bairro, mais a leste, na ponta da ilha voltada para o Lido, está o Giardini della Biennale. Trata-se de um parque inaugurado por Napoleão Bonaparte no começo do século 19 cujo Pavilhão Central é a sede da Biennale desde sua primeira edição, em 1895, quando a instituição lançou a mostra dedicada à arte (depois vieram as de cinema, teatro, arquitetura, dança e música). Além da construção principal, que guarda o núcleo duro da Exposição Geral, chamado Force Majeure, o lugar tem edificações permanentes que são verdadeiras joias da arquitetura moderna, e abrigam mais algumas representações nacionais. Exemplos?
Os pavilhões da Holanda (de Gerrit Rietveld), da Finlândia (Alvar Aalto) e da Venezuela (desenhado pelo italiano Carlo Scarpa). No brasileiro, assinado por Giancarlo Palanti e Henrique Mindlin, acontece a exposição Terra, que apresenta elementos das habitações populares brasileiras. Todo forrado de terra, o piso evoca também a tradição das moradias indígenas, quilombolas e sertanejas, além dos terreiros de candomblé. A contribuição brasileira tem a curadoria dos arquitetos e pesquisadores Gabriela de Matos e Paulo Tavares, com a colaboração do grupo de estudos EtniCidades (da Universidade Federal da Bahia), do coletivo Fissura, do terreiro Casa Branca do Engenho Velho e de alguns povos indígena.
ALÉM DA BIENNALE
Amantes de arquitetura têm mais atrações ao seu dispor. Em plena Praça São Mar-cos, concluiu-se recentemente o restauro da Procuratie Vecchie, um prédio cívico do século 16 que foi comprado pelo grupo mundial de seguros Generali e agora, pela primeira vez, está parcialmente aberto ao público. A intervenção leva a assinatura do britânicoDavid Chipperfield, agraciado neste ano como Pritzker, mais importante prêmio mundial da arquitetura
Outros arquitetos famosos contempla-dos anteriormente pela mesma premiação já deixaram sua marca em Veneza. O japonês Tadao Ando assina a restauração da Punta Della Dogana, antigo edifício alfandegário, hoje lar da coleção Pinault, do bilionário francês François Pinault. Já o italiano Renzo Piano responde pela Fondazione Vedova, velho armazém que exibe as obras em grande formato do artista Emilio Vedova – é interessante notar como o projeto resolveu os equipamentos para deslocar as telas gigantes.
Por fim, mais duas obras do modernista Carlo Scarpa (mesmo autor do pavilhão venezuelano no Giardini): o showroom da Olivetti e a fundação Querini Stampaglia.A forma como ele trabalha os materiais, especialmente pisos e mosaicos, é algo que inspira as novas gerações de profissionais até hoje. Scarpa dirigiu a tradicional fábrica de vidros Venini – desnecessário lembrar que o tour em Murano está entre os programas mais típicos dessa viagem.
Em tempo: a cidade já aprovou – mas ainda não implantou – a cobrança de uma taxa para quem só fica uma noite, a fim de desestimular o turismo desenfreado (na alta estação, o número de turistas pendulares já chegou a 100 mil). Sobram motivos para permanecer mais tempo. Aproveite-os.
TERESA PEREZ INDICA
Reserve com a Teresa PerezOnde Ficar
Ca’ Sagredo Hotel
Situado em um elegante edifício do século 16 e com belas vistas para o Grand Canal, o Ca’ Sagredo conta com acomodações decoradas em estilo tipicamente veneziano, com móveis de época e obras originais, tanto nos quartos quanto nas áreas comuns. No restauranteL’Alcova, além da vista panorâmica, os hóspedes poderão desfrutar da típica cozinha de Veneza.
Hotel Cipriani, A Belmond Hotel, Venice
O estilo veneziano é evidenciado em cada detalhe dos confortáveis apartamentos e suítes. A propriedade inclui os anexos Palazzo Vendramim e Palazzetto, que abrigam suítes com vista para a Piazza San Marco (Praça de São Marcos). Vistas deslumbrantes, o serviço impecável e a alta gastronomia criam uma atmosfera calma, perfeita para momentos de romance.