O Marrocos não abandona sua atmosfera mística embalada em tradições monárquicas e religiosas, mas mantém olhos e braços abertos aos visitantes. A minha experiência marroquina começou na milenar Fez e sua medina palpitante, seguiu pelo Saara, passou pelos inacreditáveis cimos nevados das Montanhas Atlas…
…pelo visual cinematográfico de Ouarzazate, por desfiladeiros com cidadelas (kasbahs) em meio ao ocre das pedras e teve seu grand finale em Marrakech e uma escapada rumo a Essaouira, a linda cidade azul e branca à beira do Atlântico. O exotismo local – somado aos incríveis hotéis e restaurantes – garante dias pra lá de apaixonantes.
MEMÓRIAS IMPERIAIS
Fez, Patrimônio da Humanidade pela Unesco e considerada a capital cultural e histórica do Marrocos, foi minha primeira imersão em um mundo iniciado ali no século 9, hoje espelhado na medina (a parte antiga e murada da cidade) e em suas incontáveis lojas nas ruelas estreitas, exibindo todo tipo de ingredientes culinários e produtos do dia a dia.
Em uma de suas ruas, o Café Clock é uma viagem em si, com três andares e refúgios internos, eventos culturais e comida saborosa – incluindo seu célebre burger de camelo. Mas nem só de passado vive Fez: durante o protetorado francês (1912 – 1956) surgiu um setor de estilo ocidental, Dar Debibag, com largas avenidas embelezadas por palmeiras, como a Hassan II, com comércio moderno e bares e restaurantes também frequentados por mulheres sós, ao contrário do que ocorre em outras cidades do país. Uma das visitas folclóricas na medina de Fez leva à fotogênica e secular Chouara Tannery, com dezenas de tanques para tingimento de couros e lojinhas, o lugar é tão exotique quanto roots. Ali, os vendedores entregam ramos de hortelã que minimizam o aroma forte dos couros. A compra de peças macias e de cores diferentes é opcional, o arrependimento de quem não o faz é (quase) obrigatório.
Depois de Fez, é hora de percorrer o Vale de Ziz pelas montanhas do Médio Atlas, a Floresta de Cedros e o belo Vale das Rosas em um carro dirigido por um guia vestido a caráter com seu turbante azul índigo. Os cenários da road trip vão se sucedendo, um mais impressionante que o outro – os oásis com as esplêndidas palmeiras de Tinerhir e o desafiante Desfiladeiro de Todra, em trajeto onde eram vistos acampamentos nômades e rebanhos e mais rebanhos de carneiros e cabras nas paisagens, que lembram a aridez lunática.
PAISAGENS EM TRANSFORMAÇÃO
E então vem o frio do alto das Montanhas Atlas, numa espantosa mudança de clima e de geografia. Pela estrada sinuosa, vilarejos onde mulheres fazem o óleo de Argan e vendedores aproveitam o ritmo lento do carro nas curvas estreitas para oferecer pedras, colares e pulseiras. Montanha abaixo, está a bela Ouarzazate, com seu vasto estúdio de cinema nos arredores e panoramas estranhamente bonitos e muito procurados para filmes e séries como Game of Thrones. Detalhe: na hora de voltar de Skoura, em vez de pegar a estrada – que também é boa e vale a road trip –, você pode fazer o mesmo que fiz na minha última trip ao Marrocos: sobrevoar o Atlas de jatinho e, voilá, em 50 minutos aterrissar no moderno aeroporto de Marrakech.
De Ouarzazate e a menos de uma hora de carro até Skoura, chega-se ao incrível hotel Dar Ahlam, um dos melhores em que já me hospedei até hoje, um kasbah do século 17 com programas fora de série em diferentes cenários e locais: toalhas de linho e cristais no alto da montanha, água de rosas e tendas esvoaçantes em dunas sob o luar no oásis, tecidos coloridos, música ao vivo e degustações de surpreendentes vinhos marroquinos em meio a olivais. O Dar Ahlam é um hotel com uma vibe supergostosa, onde tudo segue o ritmo e o desejo dos hóspedes. Nele, você faz o que quer no momento em que desejar. Eles montam cenários lindos e inusitados para cada refeição e nos cativam com sua alma e imaginação.
CAMINHOS PARA A RED CITY
Em seguida, no trajeto para Marrakech, em Asni, outra pausa para dois dias em um local onde o exotismo marroquino encontra a elegância inglesa: Kasbah Tamadot. Entre rochedos escarpados do Alto Atlas e diante de um vale verdejante, o refúgio faz parte do portfólio de Sir Richard Branson, fundador do Grupo Virgin, um inglês tão empreendedor quanto aventureiro. Com poucas suítes e três tendas berberes, tem pátios, piscinas e terraços típicos, além de pomares e jardins no clássico estilo britânico. Seu restaurante principal, Kanoun, finaliza os tajines, cuscuz e assados com toques modernos, e há uma carta de vinhos ampla e bem diversificada. Spa, hamman, piscina aquecida interna e uma piscina de borda infinita externa fazem parte do relax, mas há também a programação externa, como escaladas, trekkings, cavalgadas e excursões em veículos 4×4. Foi a última etapa antes de seguir para Marrakech, a pouco mais de 1 hora de Asni.
Conhecida como “Red City” (pela cor avermelhada de suas construções), Marrakech mostra logo de cara o seu lado quase onírico na medina, com suas sinuosas ruelas divididas em souks (mercados) especializados em itens que exibem a artesania chic que faz a fama do país, como babouches, joias de prata, túnicas em cores que ultrapassam o Pantone, especiarias, artigos de couro, peças entalhadas, perfumes e tapetes. Um outro mundo, de lojinhas e portinhas com vendedores espertíssimos (pechinchar faz parte do jogo), revelando também, a cada passo, becos que dão acesso aos riads (hotéis-boutique em antigos palacetes murados que se abrem em pátios mouriscos) e restaurantes com pátios, fontes e rooftops.
O BELO COMO HISTÓRIA
O tempo todo ouve-se uma babel de idiomas falados por turistas e pelos próprios locais que, para agradar e vender, expressam-se em várias línguas, tentando adivinhar a origem do turista. Toda essa agitação é elevada à quintessência na principal atração da cidade, Jemaa el-Fna, praça com um movimento frenético de acrobatas, contadores de histórias, encantadores de serpentes, dançarinos e músicos. À noite, ferve ainda mais com as barraquinhas de comida que iluminam o enorme espaço. De manhã, a calma volta um pouco e o momento é o de visitar o Palácio da Bahia, construído no final do século 19 e que foi residência do vizir Ba Ahmed, homem-forte do Marrocos de 1894 a 1900. Trata-se de uma das grandes obras da arquitetura marroquina, com espaços tipicamente decorados e pátios com árvores e plantas diversas.
Mas foi no magnetizante Jardin Majorelle que vi cristalizar a aura que enfeitiçou gente como Yves Saint Laurent que, juntamente com seu partner Pierre Bergé, fez de Marrakech um refúgio do jet-set global. Suas construções em azul cobalto e espécies exóticas de plantas, assim como o sensacional Musée Berbère, que exibe joias, roupas e adereços arrebatadores do povo berbere, são fascinantes. Faça uma pausa para tomar chá de menta no pequeno Le Café em meio ao jardim e grifar a viagem na charmosa boutique. E vale muito o programa triplo: em 2017, foi inaugurado ali perto o Musée Yves Saint Laurent Marrakech, projeto arrojado que expõe parte do acervo de 40 anos de criações do famoso designer. E para fechar o circuito fashion, peça ao concierge do seu hotel que reserve a visita guiada à casa de Yves e Pierre, também na mesma rua que, não à toa, leva o nome do inesquecível estilista argelino-francês.
Para uma hospedagem memorável em Marrakech, o La Mamounia é um relaxante e mágico refúgio para apreciadores do que há de melhor na hotelaria. Localizado no coração da Cidade Imperial, em um parque de 17 hectares, o hotel apresenta uma fusão dos estilos art déco e árabe-andaluz, com uma atmosfera que mantém a elegância e o glamour que seduziu e seduz gente como Marlene Dietrich, Winston Churchill, Cate Blanchet e os Rolling Stones. Cai bem um aperitivo ao final da tarde no bar Le Churchill e um jantar no Le Marocain, de preferência sob a luz da lua, no terraço.
TODOS OS SENTIDOS À MESA
Outras experiências gastronômicas de alto nível estão no grandioso e ultrachic Royal Mansour. Em julho de 2023, a multiestrelada Hélène Darroze assumiu as rédeas de dois dos quatro restaurantes do hotel: o La Table e La Grande Table Marocaine, fazendo a visita valer ainda mais a pena. Outro hotel inspirador é o Mandarin Oriental, com villas, spa puro wellness e opções tentadoras para quem curte gastronomia. Destaques para o Ling Ling by Hakkasan, com cozinha de inspiração cantonesa no conceito izakaya, servida acompanhando as bebidas, e não o contrário; e para o Shirvan, com menu baseado na Silk Road e assinado pelo chef Akrame Benallal, que tem duas estrelas Michelin na lapela. O típico Le Salon Berbère e o mediterrâneo Pool Garden completam suas mesas.
Fora dos hotéis, comer bem em Marrakech é no Al Fassia, com dois endereços: um no bairro ocidental de Guéliz e outro em Aguedal, mais típico, comandados só por mulheres. Pastillas e tajines de frango, cordeiro ou peixe são suas estrelas. E esses restaurantes valem pela diversão: Le Tobsil e Dar Essalam, com decoração grandiosa, show de dança do ventre, menu extenso e música ao vivo que remetem ao pastiche das mil e uma noites.
Para conhecer um pouco do litoral marroquino, vale esticar até Essaouira, que fica a 190 quilômetros de Marrakech. A antiga Mogador é uma charmosa cidade azul e branca à beira do Atlântico, com muralhas, medina, porto de pesca e um forte construído pelos portugueses em 1506, o Castelo Real. Pequena, Essaouira pode ser conhecida a pé e é uma delícia. Falando nisso, quer saber o melhor lugar para se comer por lá? Diante do mar, claro, no Le Chalet de la Plage – Chez Jeannot, com pescados e frutos do mar do dia servidos no terraço.
E como o francês é ouvido a todo momento no Marrocos, sempre voltei de lá relembrando Proust e a capacidade mágica que esse país tem de surpreender e novamente provocar os sentidos: “A verdadeira viagem de descobrimento não consiste em procurar novas paisagens, e sim em ter novos olhos”.
TERESA PEREZ INDICA
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Dar Ahlam, Ouzazarte
O Dar Ahlam está instalado em um autêntico kasbah – fortificação que protegia populações antigas. São apenas 14 sofisticadas suítes, redecoradas a cada temporada. Entre as experiências proporcionadas pelo hotel: piqueniques em jardins e jantares sob as estrelas – todas as refeições são preparadas com ingredientes locais, alguns cultivados no jardim do Dar Ahlam e servidas em cenários pensados a partir do desejo de cada hóspede.
Kasbah Tamadot, Montanhas Atlas
As Montanhas Atlas e um vale verdejante marcam os cenários ao redor do Kasbah Tamadot. O hotel dispõe de 28 acomodações, incluindo dez Berber Tents, algumas com piscinas privativas, e oferece experiências como trekking em meio às Montanhas Atlas. O Asounfou Spa, que realiza diversos tratamentos, e o Kanoun Restaurant, que serve o melhor da gastronomia local, completam a experiência de uma hospedagem autêntica.
La Mamounia, Marrakech
Instalado em meio a um parque de 17 hectares, o La Mamounia é um verdadeiro refúgio em Marrakech. Charmoso e elegante, tem suítes que combinam os estilos árabe e art déco com elementos contemporâneos, enquanto seus três riads têm três quartos, piscina, terraço e jardim. E tem mais: um spa famoso por ser um dos melhores da cidade, e restaurantes conceituados como o Le Marocain e o L’Italien.
Mandarin Oriental, Marrakech, Marrakech
20 hectares de jardins cercam o Mandarin Oriental, que ainda tem como pano de fundo as Montanhas Atlas. Suas acomodações se dividem entre suítes e villas, algumas com piscina e jardim particulares. No spa, os hóspedes têm à disposição diversos tratamentos holísticos, enquanto na gastronomia, restaurantes conceituados privilegiam desde a culinária marroquina contemporânea à chinesa e internacional.
Riad Fès, Fez
Exibindo arquitetura mourisca e prezando pela atenção aos detalhes na decoração, o Relais & Châteaux Riad Fès está instalado na medina, no coração da antiga cidade de Fez. O hotel conta com quartos e suítes que combinam design contemporâneo com elementos tradicionais. Ainda na lista de atrativos: ótimos restaurantes, com destaque para o L’Ambre, inspirado na tradicional cozinha marroquina, preparada com toques contemporâneos do chef, e uma seleção de tratamentos personalizados no spa.
Royal Mansour, Marrakech
Da arquitetura marroquina aos riads – acomodações com piscinas particulares e design inspirado na cultura local – o Royal Mansour reflete muito bem as tradições do país. O hotel está a poucos passos da Praça Jemaa el-Fna e tem os picos das Montanhas Atlas ao fundo. Os hóspedes ainda podem esperar por um premiadíssimo spa e ótimas experiências gastronômicas assinadas pelo estrelado chef Yannick Alléno.