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Com as duas mãos, em sinal de gentileza, uma senhora que aparentava ter bem mais de 70 anos trouxe o cardápio do singelo restaurante à beira-mar acompanhado de um sorriso. Eu estava na ilha de Jeju – esculpida há milhões de anos por erupções vulcânicas – em frente a uma haenyeo.

Assim são chamadas as mulheres coreanas que desafiam o humor das águas em mergulhos que chegam a dois minutos em apneia, sem equipamento mecânico, em busca dos frutos das entranhas do mar.  

Sanyang é uma dessas lendas vivas. Enfrenta dia após dia as intempéries da mãe natureza e prepara pratos fresquíssimos com as iguarias que sua coragem traz. De tão singular, o trabalho das mulheres haenyeo entrou em 2016 para a lista de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco. E esse é apenas um dos tantos patrimônios listados no país. Fácil perceber que entre simplicidade e força, a Coreia do Sul desfia magia a olhos nus.

A estética coreana é repleta de detalhes, seja na arquitetura ou nas vestimentas típicas Fabio Kotinda

COM A BENÇÃO DOS DEUSES

Jeju é conhecida como “Ilha dos Deuses” por ter a proteção de divindades guardiãs, chamadas de “dolhareubangs”. Essas estátuas esculpidas em rocha vulcânica com até 3 metros de altura – não se sabe exatamente por quem nem quando – são encontradas pela ilha toda e, segundo as crenças, têm o poderde afastar maus espíritos e trazer fertilidade. Não por acaso, Jeju se tornou um dos destinos asiáticos mais cobiçados para lua de mel. E, recentemente, ganhou ainda mais destaque ao ser citada no dorama coreano Round 6– uma das sériesmais vistas da Netflix – como o destino que a personagem Kang Sae-byeok gostaria de conhecer, caso saísse vencedora do jogo mortal.

Passos entre tradição e modernidade: em Bukchon Hanok Village Fabio Kotinda

Ao mesmo tempo em que a ilha sul-coreana cultua mitos e tradições, exibe uma natureza tão fascinante que já garantiu uma cota entre as Sete Maravilhas Naturais doMundo (juntamente com Amazônia, Baía de Ha Long, Komodo, Puerto Princesa, Cataratas do Iguaçu e Ta-ble Mountain). De fato, em seus 1,8mil quilômetros quadrados, belezas não faltam. O Monte Hallasan é a herança de um vulcão adormecido que se eleva 1.950 metros acimado nível do mar e tem ao seu redor mais de 300 cones satélite. 

Para chegar ao cume, há trilhas que passam pelas rochas vulcânicas Yeong-sil e culminam no lago formado pela cratera Baengnokdam. Em outra parte da ilha, os tubos de lava da caverna de Manjanggul impressionam com sua magnitude. Nas áreas maiores, a caverna chega a 30 metros de altura por 23 metros de largura, tendo uma extensão de nove quilômetros, dos quais dois podem ser percorridos a pé. A sensação que se tem é de entrar num mundo paralelo ao caminhar sobre uma camade lava solidificada, entre estalactites e estalagmites. Perto dali, o famoso platô vulcânico SeongsanIlchulbong é ponto certeiro para os amantes do nascer do sol. Também surpreendem os penhascos de Ju-sangjeolli, com curiosos pilares retangulares de rocha, e a cachoeira Jeongbang, que despenca no mar.

Uma das dol hareubangs , estátuas esculpidas em rocha vulcânica com até 3 metros de altura iStock/ninglu

Jeju, a menor província da Coreiado Sul e a maior ilha do país, conjuga peculiaridades. Ela é uma das 3 mil ilhas que circundam a Penínsulada Coreia, tendo de um lado o Mar do Japão e do outro o Mar da China Oriental. A tapeçaria local é formadanão só por mitos e paisagens exóticas como também por dinastias influentes e por um complexo enredoque envolve guerras e superação.

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A CAPITAL DE TUDO

O povo coreano viveu unificado pela etnia, pela língua e pelas crenças por séculos nessa península, até sofrer uma rachadura. Setenta anos se passaram desde o cessar-fogo que partiu a Coreia ao meio fazendo com que Norte e Sul tomassem rumos diferentes. Abaixo do Paralelo 38 está a Coreia do Sul, separada da sua irmã socialista pela DMZ, a fronteira mais militarizada do mundo, estranhamente chamada de Zona Desmilitarizada.

A poucos quilômetros dali é fácil perceber pelo imponente skyline da capital, Seul, que a nação se ergueu em tempo recorde e caminha a passos largos rumo ao futuro. Como conseguiu? Apostando em educação e investindo nas pessoas. Seul se transformou em uma metrópole intensa, dinâmica, inovadora, organizada, segura e tão tecnológica que impressiona. Nos espaços públicos, encontrar Wi-Fi 5G de alta velocidade, disponível gratuitamente, é uma banalidade.

O Dongdaemun Design Plaza se ergue como uma obra-prima da modernidade Fabio Kotinda

A Coreia do Sul é um dos países mais densamente povoados do mundo, tendo 80% dos habitantes concentrados em zonas urbanas. Seul abraça mais de 10 milhões de pessoas e oferece muita qualidade de vida. Esse povo vem fazendo barulho no entretenimento global e movimentando milhões com a indústria do K-drama e do K-pop. A tal onda coreana – chamada hallyu – espalha sucesso com filmes, séries e grupos musicais como BTS e Blackpink, sem esquecer de Psy,com seu Gangnam Style montado numa coreografia que atravessou os sete mares. Aliás, o bairro de Gangnam, além de ter sido eternizado pelo sucesso do rapper, concentra belos hotéis, grifes luxuosas, cafés elegantes, restaurantes estrelados e lojas badaladasde produtos de beleza, como a Sulwhasoo.

Seul é uma grande cidade, com bairros de diferentes estilos, muitos shoppings e atrações paratodas as tribos. O metrô tem excelente cobertura e a vantagem de abreviar o trânsito pesado. Descer na estação Gwanghwamun e entrar pelo portão do Palácio Gyeongbokgung durante a cerimônia da troca da guarda é a certeza de voltar no tempo. Esse é um dos locais mais visitados do país, principalmente na época da floração das cerejeiras, nos meses de março e abril. Atualmente, popularizou-se o hábito de alugar um traje coreano tradicional – Han-bok – para circular pelos jardins e palácios fazendo um resgate histórico. Na mesma região ficam o Museu Nacional da Coreia e a Buk-chon Hanok Village, onde a cultura secular do país é preservada. Também imperdível é o Dongdaemun Design Plaza, um belo complexo em linhas contemporâneas projetado pela arquiteta iraquiana Zaha Hadid, a primeira mulher a recebero Prêmio Pritzker, o Nobel da Arquitetura.

Seul é uma grande cidade, com bairros de diferentes estilos, muitos shoppings e atrações para todas as tribos Fabio Kotinda

O local concentra galerias de arte e eventos como a Seoul Fashion Week. À noite, os animados mercados de Myeondong e Nandaemun são boa opção com uma infinidade de barracas de comida de rua e produtos coreanos. O Kimchi, um dos pratos mais consumidos do país, não pode ficar defora. A conserva fermentada é feita com acelga ou repolho, pimenta, gengibre e outros ingredientes. O próprio Kimchi costuma compor vários outros pratos da gastronomia coreana, que tem como base arroz, soja, massa, vegetais, frutos do mar e carnes. Para mergulhar na cozinha coreana a ordem é provar das comidinhas de ruas aos pratos de restaurantes estrelados, sem deixar de fora o tradicional churrasco coreano cortado com tesoura.

O Mercado de Kwangjang é um mosaico de sabores e tradições, Fabio Kotinda

ENTRE PRAIAS E TEMPLOS

Três horas de trem ligam a capital, Seul, a Busan, a segunda maior cidade da Coreia do Sul. Mais de 3,5 milhões de habitantes levam a vida embalados pelo contorno do mar – tanto que o Mercado de Jagalchi é um dos maiores mercados de peixe do país. Dá para ficar horas caminhando e se surpreendendo com espécies marinhas nunca vistas antes, além de outros produtos, como o ginseng coreano, uma raiz que promete retardar o envelhecimento.

Bastante singular é o Templo de Haedong Yonggungsa por sua localização à beira-mar. Mais cenográfico, impossível. Está debruçado sobre as falésias da costa leste de Busan desde 1376 eteve sua última restauração feita no século 20. Uma escadaria acompanha a entrada e conduz a uma série de estátuas, enquanto o som do mar batendo nas pedras traz serenidade. Dentro do complexo há várias salas de oração e estátuas budistas, sendo a deusa protetora dos marinheiros e pescadores a mais venerada delas. Um templo que conjuga espiritualidade e beleza natural. Outra parada obrigatória é o Templo de Beomeosa, no Monte Geu-mjeongsan. Foi fundado em 678 durante a poderosa Dinastia Sillae guarda muitos tesouros, além de estar de portas abertas paraas pessoas que queiram vivenciar a cultura budista coreana.

Templo Haedong Yonggungsa Fabio Kotinda

JANELA PARA O PASSADO

Longe das luzes das grandes cidades, a antiga capital do Reino de Silla, Gyeongju, floresceu entre os séculos 7 e 9, especialmente nas artes, na educação e no budismo. Guarda décadasde história alinhadas na forma de um grande museu a céu aberto que fazquestão de lembrar que por ali houve um período de esplendor cultural costurado por dinastias influentes emomentos cruciais que moldaram o destino do país.

Alugar um carrinho elétrico é boa maneira de transitar pelo legado não só da cultura Silla como, mais tarde da Dinastia Joseon, responsável por sistematizar a língua coreana criando o alfabeto hangul para facilitar a comunicação, indo até o período de resistência contraa ocupação japonesa, iniciado em 1910, tendo na família Choi um símbolo daforça na luta pela independência.

Uma outra cultura aparece em Gyeongju: mais bucólica e tradicional, exalta os costumes budistas em cada canto Acervo Claudia Liechavicius

Dois dias são pouco para atravessara Ponte Woljeonggyo, recentemente restaurada, e visitar palácios, templos, tumbas reais e o antigo observatório astronômico de Silla. O Palácio Donggung foi construído no ano 679 para receberos convidados do rei à beira do Lago Wolji, criado artificialmente no entorno de todas as dependências. Naquele período, o budismo desempenhava um papel importante. O Templo de Bulguksafoi feito nas montanhas da região, no ano de 751, e é considerado uma obra-prima da estética budista coreana. Na Gruta Seokguram, a grande escultura de Buda proporciona um mergulho profundo na espiritualidade. Também nessa época foi criada uma tropa de elite com guerreiros treinados em combates corporais para defender o Reino de Silla. Nascia o taekwondo, a arte de usar os pés e as mãos na luta, que hoje figura como esporte olímpico.

Ao norte, a Aldeia Yangdong, fundada pela Dinastia Joseon, continua ecoando seus anos de prosperidade pelas paredes das mais de 160 casas espalhadas pelo vilarejo, algumas destinadas ao estudo do Confucionismo. Caminhar pelas vielas é vivenciar a herança cultural desse povo. As moradias com cobertura de telha eram destinadas aos nobres, ao passo que as de palha, nos terrenos mais baixos, abrigavam a classe camponesa que trabalhava nos campos, onde o arroz continua a brotar. Obviamente, esse é mais um Patrimônio da Humanidade listado pela Unesco.

O templo riquíssimo em detalhes de Gyeongju Acervo Claudia Liechavicius

Esses recortes contam pedaços da história de um país que transita da ancestralidade ao futuro e cultua nas crenças budistas, na coragem dashaenyeos, nas raízes do ginseng, na arte do taekwondo, nos astros da música pop e do cinema, na tecnologia de ponta e, sobretudo, na força da educação, um legado que inspira a humanidade.

HOT TIPS COREIA DO SUL

MINGLES: Com duas estrelas Michelin, o restaurante loca-lizado no elegante bairro de Gangnam oferece menu-degustação com pratos da co-zinha sul-coreana preparadoscom delicadeza e sofisticação. Chungdam dong 94-96, Gangnam-gu, Seoul. restaurant-mingles.com

PUNG_NEW: Bar coreano localizado em um beco escondido do bairro de Insadong que serve pratos tradicionais da cozinha coreana com toque con-temporâneo, como o famoso Bulgogi (fatias suculentas de carne marinada), o Bibim-bap (uma mistura colorida de legumes, carne e arroz) e o kimchi (repolho fermentado). Para acompanhar, vale pedir Soju, um tipo de saquê coreano. 10-3 Toegye-ro 70-gil, Jung-gu, Seoul.

CHUNG KI WA: Uma das casas mais tradicionais de Seul para experimentar o tradicional churrasco coreano que lembra um fondue e tem as carnes cortadas com tesoura. Não espere sofisticação. 32-4 Yeongjung-ro 10-gil, Yeongdeungpo-gu, Seoul.

CHA-TEUL TEA HOUSE: Essa casa de chá tem mais de cem anose é um local bastante tradicional na Bukchon Hanok Village.26, Bukchon-ro 11na-gil, Jongno-gu, Seoul.

BUSAN: Comer em algum dos tantos res-taurantes do Mercado de Jagalchi.

.JEJU: Comer em alguma das tantas barra-cas do Dongmoon Market.

MYEONGDONG E NANDAEMUN: Mercadosnoturnos de Seul.

COMPRAR

OLIVE YOUNG: Loja de produtos de beleza com uma excelente seleção de marcas.

SULWHASOO: Uma das marcas de cosméticos mais high-end da Coreia do Sul, com produtos à base de ginseng e extratos de ervas medicinais.

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  • Jeju
  • Busan
  • Seul
  • Gyeongju
  • Aldeia Yangdong

TERESA PEREZ INDICA

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Onde Ficar

Four Seasons Hotel Seoul

Para combinar com a cidade em que está localizado, o Four Seasons Hotel Seoul apresenta uma arquitetura moderna e elegante e não deixa faltar conforto. Fica próximo das principais atrações da capital, e seus quartos exalam a mesma tranquilidade presente nas excelentes opções de restaurantes e de bares que traduzem os sabores de Seul.

Gyeongju Hilton

Com oito bares e restaurantes que exploram um pouco das culinárias japonesa, mediterrânea, coreana e de outros países, o Hilton conta com uma bela vista da cidade e do mar. O fitness center é totalmente equipado e as piscinas são um bom convite para dias de tranquilidade e serenidade, comuns no cotidiano da Coreia do Sul.

Park Hyatt Busan

Situado em um dos mais icônicos prédios do skyline de Busan, o Park Hyatt proporciona belas vistas da segunda maior cidade da Coreia do Sul. Por suas janelas, que vão do chão ao teto, é possível observar o cartão-postal de Busan: a bela ponte Gwangan. Os hóspedes têm à disposição um belo spa e um restaurante com menu internacional

The Shilla Jeju

Localizado no sul da ilha de Jeju, o The Shilla se orgulha em exibir uma galeria de arte dentro das próprias instalações e algumas obras de artistas coreanos e internacionais em seu belo jardim. Tendo em vista proporcionar uma atmosfera de muita paz e tranquilidade, o hotel oferece fitness center equipado, kids zone e spa e ainda organiza atividades como glampings. Na gastronomia, três restaurantes servem o melhor das culinárias coreana, japonesa e europeia.

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