Um canto coral lindo de arrepiar me arrebatou assim que pisei em Damaraland, no coração da Namíbia. Eram vozes de diferentes tessituras entoadas por homens e mulheres sorridentes que dançavam cheios de molejo.
Um ritual de boas-vindas que resgatava minha memória afetiva infantil da trilha sonora de O Rei Leão. Agora adulto, eu realizava o sonho de conhecer este país africano aparentemente inóspito e logo percebi que seria surpreendido por muito mais que a vida selvagem dos safáris que povoam nosso imaginário sobre o continente. Nos próximos dias, eu me deslumbraria com as paisagens surrealistas dos desertos que viraram o cartão-postal do país.
Caminharia entre florestas petrificadas e inscrições rupestres que nos fazem lembrar de que estamos no território mais antigo da Terra. E entenderia que, desde aquela recepção musical até as despedidas afetuosas, algumas das melhores experiências que a Namíbia oferece são os encontros com aquelas pessoas orgulhosas de sua terra.
Arte na pedra e no corpo
Talvez a simpatia do povo local aos forasteiros em Damaraland seja uma resposta ao isolamento social provocado pelos desertos, como o Namibe e o Kalahari, que cobrem dois terços do país. Praticamente só cruzei pessoas acolhedoras desde meu pouso na capital Windhoek. Sylvia Thanises, a guia que me conduziu para conhecer uma das relíquias arqueológicas do país, era pura doçura. “Namíbia significa ‘lugar onde não existe nada’ na língua da etnia nama, mas isso aqui não é só deserto. Temos muita vida para mostrar”, disse enquanto caminhávamos por Twyfelfontein.
Este Patrimônio da Humanidade é uma sucessão de rochas onde estão 2500 pinturas e inscrições rupestres datadas da Idade da Pedra.
Rinocerontes, girafas e até um leão com rabo em forma de mão foram gravadas, com rochas de quartzo, pelos primitivos.Igualmente amável, Justus Sûxub, o guia do dia seguinte pelas florestas petrificadas vizinhas, não escondia seu fascínio por esta preciosidade de mais de 200 milhões de anos. Uns 50 troncos de árvores medindo até 34 metros de comprimento estão caídos no solo, mas duros como pedras. “Cobertas pelo deserto e forradas por sedimentos de sílica, as madeiras foram mineralizadas e viraram estes fósseis incríveis”, contou.
Ali perto, foi a anfitriã Maureen Hoes quem me contou causos dos seus antepassados damara, uma das 13 etnias do país, no Museu Vivo dos Damara. Simples, porém cuidadoso nos detalhes, o centro cultural apresenta danças, simulações de moradas tradicionais e artesanato feito de couro e rocha. A etnia mais diferente aos olhos estrangeiros, no entanto, é a himba, que conheci ao cruzar duas mulheres e uma criança na beira da estrada. Com seios à mostra e saias feitas de couro de bode, as nômades Vezapopare e Veriazako vendiam colares e pequenas bonecas que reproduzem a estética de suas criadoras: as mulheres himba lambuzam o corpo com otjize, um barro avermelhado, o mesmo usado para decorar seus cabelos com uma espécie de dreadlock dos rastafári. Impossível não querer fotografar – e simpático pagar por isso.
Quem quer vida selvagem?
Por que a região do Parque Nacional de Etosha, criado em 1907 no Norte da Namíbia, quase fronteira com Angola, é considerada um dos melhores destinos de safáris do mundo, em meio a tanta diversidade dessas experiências na África? Quem me deu a resposta foi o amigável grandalhão Gabriel Zuma, meu guia no Ongava Tented Camp, acampamento da Wilderness Safari onde me hospedei pertinho do Etosha. “Temos muitos animais raros, como o impala de cara negra, que só existe aqui, e os ameaçados rinocerontes negros, além dos bichos que todo mundo sonha ver”, explicou. “E tudo isso no entorno do lago de sal Etosha Pan, que é o oásis que atrai a todos eles.”
De fato, a fartura de animais vistos de perto impressiona. Em um dado momento, nosso Land Rover 4×4 se aproximou a 5 metros de uma família de leões com a cara ensanguentada após devorar uma zebra. Foi inevitável lembrar dessa cena à noite, já hospedado em uma das sofisticadas barracas de lona na Reserva Privada de Ongava. Na calada da noite foi possível ouvir rugidos não muito longe da tenda. Foi quando entendi o porquê de os hóspedes só poderem circular dos dormitórios ao restaurante na companhia de um segurança armado. Não era imersão na vida selvagem que queria? Vivi isso. E amei.
O império dos sentidos
O vento canta aos ouvidos, o sol e os grãos de areia trazidos pelo vento batem na pele às vezes sem dó e o cenário de formas inusitadas e cores intensas fazem lembrar um quadro surrealista. Todos os sentidos humanos parecem ser intensamente estimulados por quem tem o privilégio de subir as dunas de 300 metros de altura em Sossusvlei, ponto alto da viagem à Namíbia e um dos cenários mais fotogênicos do planeta.
O deleite sensorial tem seu ápice quando desço para Deadvlei, no centro de um desses areais. Sob aquele céu sempre azul, troncos tortos esparsos sobre o solo esbranquiçado por sal e argila contrastam com as dunas quentes amareladas do entorno
Aquele é o leito seco do Rio Tsauchab, que teve seu fluxo interrompido no passado pelas areias e onde só restaram os grandes galhos – para delírio de todo fotógrafo que sai dali com a cena impregnada para sempre na retina.
À noite, a bendita falta de chuva que criou aquela geografia única, orgulho do adorável povo da Namíbia, me permite outros momentos de raro prazer. Brindamos com cerveja típica gelada, herança da colonização alemã, ao jantar no meio do nada do deserto, ao fim de um caminho de tochas que leva do hotel Little Kulala às mesas ao redor da fogueira. Tudo isso sob o céu estrelado e ao som da linda música local.
TERESA PEREZ INDICA
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Little Kulala
O céu estrelado, o brilho do sol e as vastas dunas vermelhas de Sossusvlei formam uma das paisagens mais incríveis da Namíbia. E o Little Kulala está instalado nesse cenário de tons avermelhados, que serve de lar para uma vida selvagem fascinante. São apenas 11 chalés de palha e lona, construídos sobre plataformas de madeira, que combinam harmoniosamente inspirações rústicas e modernas. A proximidade com as dunas, porta de entrada para o Mar de Areia da Namíbia, faz do lodge o lugar ideal para atividades como os voos de balão sobre o deserto – um autêntico safári pelo ar.