Málaga acordou a tempo de fazer acontecer sua nova era. Desde o ano passado, quando comemorou com pompa e circunstância os 50 anos da morte de Pablo Picasso, seu filho mais ilustre, ela vem ensaiando uma movida próspera e otimista num velho continente caduco, já cansado de se reinventar a cada pandemia e guerra.

Malagueños voltaram às vias de fato; estão pelas ruas animados como sempre, cambaleando como nunca, colorindo as noites de Pedregalejo com as mesmas caras e bocas exageradas das películas de Almodóvar. Reinventaram uma nova maneira de viver la vida loca sem perder o ritmo que um dia fez girar não só a economia como a (contra) cultura histriônica de um povo acostumado a passar da conta quando o assunto é ver o mundo rodar. Talvez por isso, em 2023, a revista Forbes elegeu a cidade como a melhor do globo para se viver. A publicação fez eco ao último estudo da comunidade de expatriados InterNations, que pesquisou 12 mil imigrantes de 177 nacionalidades diferentes e estabelecidos em 181 territórios. Segundo o ranking, 89% dos entrevistados dizem que os malagueños são especialmente gentis com os residentes estrangeiros, ocupando o segundo lugar no tópico “encontrar amigos” e líder nos quesitos clima/tempo e trabalho/lazer.

Uma joia quase sempre agraciada pelo Sol no sul da Espanha, Málaga é pura personalidade Andaluz

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De fato, a segunda maior população da Andaluzia, com cerca de 600 mil habitantes, tornou-se, depois da covid, o pouso preferencial de nômades globais cansados da vida e dos preços praticados nas grandes cidades. Passada a moda das “second cities”, como Lisboa e Valencia, Porto e Barcelona, ela entrou na rota daqueles que já não se deixam seduzir pelas “grandes oportunidades” de Londres ou Paris nem pela qualidade de vida outrora satisfatória da capital portuguesa, por exemplo, que nos últimos sete anos vem testemunhando um aumento exponencial da especulação imobiliária que ameaça a sua pacatez.

A terrinha, hoje, é um terroir de parisienses e californianos que trouxeram consigo não apenas um croissant e um laptop como também um custo de vida incapaz de ser acompanhado por um português médio, que já não anda lá muito hospitaleiro e tolerante como rezava a tradição – ou a lenda, como você preferir.

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CAMINHO DO SOL

Fundada por fenícios no século 8 a.C, ocupada por romanos e mouros para depois ser reavivada por católicos fervorosos, sua disposição urbana dramática e cheia de contrastes se expressa e se espreme entre o Mediterrâneo e o Monte Gibralfaro. Em um relance, mais de mil anos de civilização são contados em igrejas barrocas (na Catedral está a estupenda A Decapitação de São Paulo, de Enrique Simonet), muralhas medievais, castelos, anfiteatros e fortalezas.

Com média de 345 dias de sol por ano, é inevitável aproveitar Málaga em longas caminhadas

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Porta de entrada da Costa del Sol, com seus 150 quilômetros de praias desde Granada até Cádiz – entre elas Marbella e Estepona –, a cidade também é uma das mais radiantes da Europa, com média de 345 dias de sol por ano; evitar a alta temporada é mandatório, a não ser que você queira testemunhar despedidas de solteiro e hordas com sede de vingança por não terem um verão para chamar de seu.

Serra acima, a menos de duas horas a partir do Centro Histórico repousam aldeias como Ronda e Setenil de las Bodegas, construídas sobre rochas e ainda com suas rotinas pouco dilapidadas. Sentido leste, num bate e volta de carro, chega-se a Alhambra, com a sua alcabaza majestosa e quase tão assoberbada quanto o castelo da Cinderela na Eurodisney.

É dinheiro que entra, afinal de contas. E bem-vindos sejam os que aterrissam de Ryanair vindos de todas as key-grey cities, de Brighton a Blackpool. A propósito, a comunidade inglesa na cidade é bem expressiva; pós-Brexit, muitos que já tinham Málaga como destino de férias resolveram fincar bandeira e chamá-la de lar. A adaptação não poderia ser mais natural, afinal nada mal trocar um fish and chips por uma espetada de sardinha grelhada em madeira de oliveira, certo?

Stock/Joel Carille

Mas Málaga não é uma realidade para inglês ver. Ainda assombram o desemprego, os cortes nos seguros, o imigrante ilegal e os corruptos da casa real; aqueles que compraram (e não quitaram) suas casas em tempos de “borbuja” imobiliária também continuam a viver temendo pelo despejo, mas há o desejo de estourar, explodir. Está no sangue, latino, quente. Bravos pela própria natureza, turrões, brigões, vão à luta por tudo que se entenda ultrajante – inclusive por 20 centavos que, no fim do mês, economizados dia após dia, rendem mais um trago na coctelería da esquina.

Jovens de agora e de outrora, todos gerados sob a economia paternalista espanhola, experimentam uma reinvenção social com brisa de revolução cultural em que a ordem é deixar o riso frouxo apesar de os cintos permanecerem apertados. Por toda a cidade, dos restaurantes à mesa do bar, dos aluguéis às diárias de hotel, são praticados preços concretistas em tempos surrealistas para que os embalos de sábado continuem a todo vapor. Serviços e produtos sofreram com a recessão, mas continuam inabaláveis os alicerces que fizeram de Málaga a nova cidade mais desinibida da Europa: resistência, rebeldia e deboche.

Depois de muitos ajustes, reajustes e tapas engolidos a seco, comerciantes locais e otimistas de outras praças voltam a abrir e não mais cerrar as portas. Veem-se lojinhas, salões, clubes, inferninhos e portinhas onde são servidos os melhores pinchos e gin tônicas do pedaço, onde olhos vermelhos e humor negro dão o tom da madrugada que sempre tarda e nunca falha. Málaga está radiante outra vez, sabe bem quem amanhece perdido no El Soho.

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COMER E BEBER

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Mercado Central de Atarazanas

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Tudo bem que a modinha dos mercados transformou os antigos armazéns numa Disneyland gourmet, mas ainda assim vale visitar o Atarazanas. Uma construção do século 19 com ferro forjado e vitrais, ainda com seu arco nacérida original dos tempos mouros, reúne bons quiosques onde pode-se provar o melhor da gastronomia andaluza: experimente os pescaítos fritos do Spain Food Sherpas, o vermute do Almacén del Indiano e os bocadillos de camarão do Uvedoble. Para levar na mala: presunto pata negra de Ronda.

El Pimpi

Verdadeira instituição de Málaga, um antigo estábulo do Palacio de Buenavisita hoje é um labirinto de salas de jantar decorado com fotografias de convidados ilustres (o endereço é propriedade de Antonio Banderas, mas sem preconceito!) e barris de vinho assinados por Paloma Picasso e grande elenco. Tapas são a grande pedida; atenção para os croquetes de camarão pil pil e amêijoas gigantes. Para finalizar, vinho Málaga Virgen. elpimpi.com

La Terraza de San Juan

DIVULGAÇÃO

A vida em Málaga acontece no alto. As terrazas são ponto de encontro e onde acontecem as noites mais animadas da cidade, com destaque para a do Hotel Málaga Premium e sua vista fabulosa para a catedral de Nossa Senhora de Los Remedios. Há drinques para todos os gostos, mas uma vez na Andaluzia a dica é pedir Agua de Sevilla ou vermute. hotelmalagapremium.com

MUSEUS

Eduardo Grund

Museo Picasso Málaga

jesusdominguez.com

Já é mais do que sabido que as obras definitivas do mestre malaguenho estão em Paris e em Madrid, mas a graça desse museu que leva o seu nome reside no fato de que grande parte dos trabalhos expostos, apesar de serem dele, não têm qualquer assinatura. O acervo foi doado por Christine e Bernard Ruiz-Picasso, a viúva e o neto do artista, e apresenta cerca de 233 peças criadas enquanto ele experimentava, de acordo com o curador do espaço, maneiras surpreendentes de representar o vigor e a magia da vida. museupicassomalaga.org

Museu Carmen Thyssen

A quinta mulher do Barão Hans Heinrich Thyssen-Bornemisza, este que batiza o museu em Madrid onde estão reunidas as obras de sua coleção, aprendeu com o marido a pintar o sete com maestria. Carmen “Tita” Cervera, ex-miss Espanha e filantropa superativa, começou a colecionar pinturas andaluzas do século 19 e em 2011 decidiu mostrá-las ao público. Vale a visita, sobretudo pelo edifício em si, um palácio renascentista com tempero mudéjar.

Pompidou Centre

A primeira filial do museu parisiense fora da França abriga mais de 80 obras dos nomes-chave da arte moderna, de Miró a Magritte, Frances Bacon a Giacometti e, claro, Picasso. Se você precisa ir a Málaga para ver tudo isso? Não, mas uma vez por ali… O museu está no El Cubo, um simpático edifício na zona portuária da cidade e com vista para a baía. centrepompidou-malaga.eu

TERESA PEREZ INDICA

Reserve com a Teresa Perez

Onde Ficar

Gran Hotel Miramar

Um ícone de Málaga construído em 1926 como pedido do Rei Afonso XIII, o Grand Hotel Miramar já foi até palácio de justiça da cidade, antes de voltar às suas origens como hotel. Seus 190 quartos celebram, em um estilo clássico, a influência moura da região, manifestada em seus arcos, luminárias e nas cores – estas que também são uma ode ao Mediterrâneo, que está logo ao lado.

Palacio Solecio

No centro histórico de Málaga, o Palacio Solecio já foi considerado o melhor hotel urbano do mundo e exalta com orgulho a estética andaluz em um palácio construído no século XVIII. A influência moura também se faz presente em sua arquitetura e gastronomia, com um menu que exalta a original culinária da região sul da Espanha e os belos frutos do Mediterrâneo

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