Quando criança (privilegiada), a viagem era sempre a mesma: Miami, Orlando e Keystone, no Colorado. Sempre os mesmos endereços, os mesmos guias, a mesma casa, o mesmo hotel, o mesmo chalé e os mesmos ingredientes açucarados. Era mágico. Porque era o nosso ritual. 

Dessa época, apesar de passados muitos anos, trago memórias vívidas (provavelmente auxiliadas pelos álbuns de fotografia que meu pai montou com rigor de arquivista e que mantêm as lembranças acesas): o choque ao entrar no hotel fantástico onde ficávamos na Disney, com esculturas gigantes, ultracolorido, cheio de atrações; o encantamento de entrar no Magic Kingdom pela primeira vez e ter certeza de que tudo ali era real.

Não havia ironia. Não havia adulto cético dentro de mim. Só um encantamento total e absoluto, como se eu tivesse cruzado um portal interdimensional com cheiro de turkey leg e It’s a Small World After All, em looping. Eu queria morar ali. E, se eu parar para prestar bem atenção, de certa forma ainda quero. 

Não sou a adulta que cogita, como outros adultos, voltar à Disney. Sou aquela que sabe o valor de reencenar uma memória. E como gosta. Com dois enteados em idade de acreditar que tudo é possível (e de pedir mais pelúcias temáticas depois de já terem comprado dez), a ideia de refazer esse roteiro (sem a parte da neve) ganhou contorno de missão secreta: proporcionar a eles aquela mesma sensação de magia e deslocamento. 

Programas lúdicos nos Estados Unidos. Maria Helena Pessôa de Queiroz

E foi exatamente assim que começou. Eles sabiam que iam viajar, mas não faziam ideia para onde. Os chutes iam de Teresópolis ao Japão com escala em Pelotas. Só descobriram na noite anterior ao voo, quando deitaram em suas camas e encontraram debaixo do travesseiro um envelope oficial revelando os destinos.

Pronto. A excitação estava instaurada e era apenas um prelúdio do que viria. 

Nosso roteiro começou em Miami, como manda a minha tradição familiar e afetiva. Ficamos em casa, na mesma de sempre, mesma vista de sempre, só que, dessa vez, era eu e meu grande amor que tínhamos a cama invadida por crianças e preparava o café da manhã (com um pouco menos de açúcar do que os tempos de outrora!). O que, para mim, foi quase uma viagem no tempo. 

Alternamos os dias entre sunbeds na praia da Soho House, vivendo o verdadeiro dolce far niente, passagens pela sempre efervescente Lincoln Road (com suas lojas de gosto duvidoso que, claro, divertem crianças), e programas culturais como o Superblue Miami (que manteve as crianças engajadas por uma hora e meia. Obrigada, James Turrell; obrigada, JR). Passamos pelos Wynwood Walls, mergulhamos na piscina de casa em horários aleatórios, e curtimos o luxo silencioso de não ter um cronograma de hotel para seguir. De lá, partimos de carro rumo ao centro da nossa operação encantamento: Orlando. 

Dolce far niente em Miami. Maria Helena Pessôa de Queiroz

Quando eu era criança, Mickey era a personificação do monarca absoluto. A Disney era Versailles. L’état, c’était lui. Mas os tempos mudaram e o novo parque tem outro sotaque e outros reis, em especial um italiano bigodudo de chapéu vermelho. Um parque quase mítico, recém-inaugurado: o Universal Epic Universe, dentro do complexo da Universal. 

Quando descobri a existência desse parque, já era tarde. Ele havia sido inaugurado em maio e os ingressos no site oficial estavam esgotados. Mas, como sou brasileira e não desisto nunca, pedi um milagre à Teresa Perez. E ela o operou. 

Antes de mais nada, é preciso explicar: o Universal Epic não é apenas um parque. É um conjunto de universos completos e paralelos, com portais próprios, todos interligados por telões colossais e engenharia emocional de última geração. São vários mundos dentro de um: Super Nintendo World, How to Train Your Dragon, Harry Potter Ministry of Magic… Se houvesse carimbo de passaporte entre uma área e outra, teríamos preenchido todas as páginas e entrado com pedido de renovação. 

O parque do Mario era o mais aguardado. Não só porque meu enteado já o havia visitado no Japão com o pai dois anos antes, mas porque agora vive uma fase de obsessão oficial por estrelas douradas, cogumelos, Piranha Plants e, claro, seu all time favorite: o Yoshi. Minha enteada (a rainha dos unicórnios) embarcou na viagem, mas, diferente do irmão e de suas preferências “fofuchas”, ela adora Bowser e Donkey Kong. Assim se formou a dupla oficial de corredores de Mario Kart. 

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A ambientação é tão alucinante que encanta até os adultos, sobretudo os estetas. Cores primárias em estado de delírio, personagens animatrônicos que repetem gestos até a exaustão, e um cenário que parece cruzamento de instalação de arte com sonho alucinógeno. A montanha-russa do Donkey Kong? Disparada, a favorita. 

No universo de How to Train Your Dragon, as crianças fizeram carinho em um robô do Toothless com textura tão gostosa e reações tão reais que até eu quis abraçar (sem ironia). Subimos na montanha-russa dele, e foi nesse exato momento que o céu, no ponto alto do trilho, despejou uma chuva forte. As crianças nos olharam com aquela expressão clássica de “e aí, adultos? O que vão fazer por nós agora? Att., seus mini chefes”, ao que só pudemos responder com risos nervosos e o tipo de memória que só uma tempestade no meio de um brinquedo é capaz de nos deixar. 

Mas o ápice, o que realmente muda o jogo, e aqui começa o segredo que quase ninguém te conta (nem mesmo o site da Universal): é o serviço VIP do parque. Aliás, anote isso com atenção: esse serviço é tão escondido que eu mesma não o encontrei, mesmo depois de fuçar todo o site da Universal. Quem me apresentou foi a Teresa Perez. Estava esgotado em todas as datas que cotamos. E mesmo dentro do parque, vi no máximo três famílias com esse serviço. É realmente algo exclusivo. 

Pelúcias mil. Maria Helena Pessôa de Queiroz

Sim, o parque tem um serviço VIP Experience. E não, não é um Fast Pass glorificado. É outra coisa. Outra categoria. Outra camada da realidade. É tipo saber que atrás daquele cenário encantado existe uma porta invisível, e só quem está na companhia da pessoa certa. Literalmente! Com o VIP, você tem um guia exclusivo que não apenas te leva a todos os brinquedos sem fila. Você entra pelos bastidores das atrações. Montanha-russa com duas horas de fila? Fiz 3 vezes seguidas. Sem esperar um minuto. 

Nossa guia organizou nosso trajeto com precisão suíça: considerando o tempo, os horários prováveis de chuva, os brinquedos que fecham com tempo instável e o humor das crianças. Era quase uma concierge-fada-madrinha de walkie-talkie. 

A área do Harry Potter também merece uma ode. Por acaso, ou destino, tenho lido todas as noites um capítulo de A Pedra Filosofal para as crianças. Entrar na ala do Ministério da Magia, com lojinhas ambientadas em uma espécie de França vitoriana, foi uma experiência sensorial. O brinquedo principal é tão real, tão absurdamente imersivo, que saí sem saber quais trechos eram reais e quais eram projeções e sigo sem saber. De tão real, as crianças saíram na dúvida se gostaram ou se ficaram assustados. Nós, adultos, saímos absolutamente impressionados. 

Maria Helena Pessôa de Queiroz

Nosso roteiro teve ainda mais capítulos: para nos recuperarmos dos milhares de passos e picos de dopamina, voltamos para mais quatro dias em Miami — em casa, com sabor de Pop-Tarts e sprinkles. Fizemos o trajeto de carro, como meus pais faziam. Os mesmos caminhos. Mas com outras paradas: uma visita ao Patricia & Phillip Frost Museum para assistir a uma exposição sobre inteligência artificial, o lúdico Ice Cream Museum, uma ida ao cinema para reencontrar e matar as saudades do Toothless, e pizzas (muitas pizzas) a poucos passos de casa, no Call Me Gaby. 

À noite, colocávamos as crianças para dormir com a já tradicional leitura de um capítulo de Harry Potter mas, agora, com elas segurando suas varinhas recém-adquiridas no Universal Epic. E, claro, com algumas mágicas de fato acontecendo, graças a adultos obstinados em fazer da realidade um lugar mágico para se habitar. Foi tudo igual. Mas foi tudo completamente diferente. O mesmo trajeto, os mesmos destinos, mas com um novo elenco, novos delírios, novas gargalhadas. 

As crianças saíram com memórias fresquinhas. Eu saí com uma espécie rara de alegria: aquela que reconhece o caminho, mas se surpreende com cada curva das novas pistas que se apresentam. E para todas as novas pistas eu digo: Let’s-a go! 

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