Amanhece em Java Central e desperto com o canto dos pássaros. Abro as portas envidraçadas da minha villa e caminho sem pressa com uma xícara de café nas mãos, debaixo do céu rosado, coberto por uma bruma leve, até alcançar o gazebo da piscina.
Ainda nem são 6 horas da manhã e já me preparo para desvendar a magia de Borobudur, um dos templos mais importantes do mundo, listado como Patrimônio Mundial da Unesco desde 1991. O monumento dedicado ao budismo Mahayana está encravado no centro de Java, a 13ª maior ilha do mundo, a mais densamente povoada do planeta e uma das 17 mil ilhas do imenso arquipélago que forma a Indonésia, das quais apenas 6 mil são habitadas. Jacarta, a capital de 15 milhões de habitantes, também fica em Java, tendo se tornado um dos maiores conglomerados muçulmanos da Ásia após o declínio hindu-budista. Os números impressionam. Eis o maior país insular e o quarto mais populoso do mundo. Conhecer a Indonésia é a certeza de mergulhar num universo cultural exótico, costurado por ancestralidade, crenças, sincretismo, riquezas naturais e sorrisos fáceis.
O templo de Borobudur foi construído no século 8 da nossa era, durante a Dinastia Sailendra, em estilo budista javanês. Tem nove plataformas sobrepostas – seis quadradas e três circulares – decoradas com nada menos do que 2.672 painéis em relevo, além de 504 estátuas de Buda, das quais 72 circundam a abóbada central. Cada uma delas está sentada em postura de lótus, no centro de uma estupa vazada, com as mãos posicionadas em seis diferentes mudras – gestos que potencializam a força da meditação e ampliam a energia vital – e com a face voltada para o inquieto vulcão Merapi. No entanto, são as cenas representadas em relevo nas rochas vulcânicas que tornam Borobudur um verdadeiro santuário ao ostentar o maior conjunto de painéis narrativos budistas já visto, trazendo ensinamentos sobre o caminho até a iluminação.
Algumas evidências sugerem que Borobudur tenha sido abandonado no século 14 com a conversão dos reinos javaneses ao islamismo. Na época, a densa vegetação e a fuligem dos vulcões o esconderam. Mas não demorou muito até Thomas Stamford Raffles, governador britânico de Java, redes ao mundo o tesouro adormecido.
EM SILÊNCIO COM UM GUIA-SACERDOTE
E foi logo depois do meu café da manhã que iniciei, em silêncio, a caminhada até o carro para realizar o sonho de subir aquelas escadarias. Era a minha vez de sorver a força que as paredes do templo exalam na forma de compêndio espiritual esculpido em pedra. Menos de cinco quilômetros conectam Borobudur ao espetacular hotel Amanjiwo, onde eu estava hospedada. A conexão entre eles é total – a começar pelo número de acomodações, 36, a metade do número de estupas do templo. Impossível ficar indiferente ao olhar a silhueta de Borobudur emoldurada por um janelão do prédio central do Amanjiwo, como se fosse um quadro renascentista.
Juntamente com o ingresso recebo um par de chinelos com solado de borracha para auxiliar na conservação do templo. Jaques, o guia-sacerdote designado a traduzir as cenas da vida de Buda entalhadas nas rochas, consegue aguçar ainda mais a atmosfera de contemplação do momento com seus ensinamentos sobre meditação e busca pela paz interior. Ele pede licença para me abençoar no portão da escadaria central. A partir dali, subo cada degrau e percorro cada corredor magnetizada pelos detalhes do universo cósmico da vida de Buda. Borobudur tem o formato de uma mandala tridimensional e a energia que exala é quase palpável. Conforme a tradição, os visitantes devem andar em sentido horário pelas plataformas, subindo até alcançar o topo. Cada plataforma tem uma função pedagógica na intenção de purificar a mente para libertar-se do sofrimento.
Uma vez ao ano – desde a década de 1980, quando o templo foi reaberto ao público – é realizado o Vesak durante a lua cheia do mês de maio, o maior festival de celebração ao nascimento, iluminação e morte de Sidarta Gautama. Nessa data, muitos líderes espirituais budistas peregrinam até a estupa sagrada buscando a sabedoria suprema. É um privilégio vivenciar esse cenário enigmático tendo o espetacular Amanjiwo a curtíssima distância.
DE VOLTA AO PRESENTE
Retornando ao hotel, depois de passar por vilarejos cheios de lojinhas de artesanato e peças feitas em batik, me deparo com um grupo de músicos no salão principal do hotel tocando instrumentos locais – como o gamelão – enquanto o chá da tarde era servido. Escolho as ervas para a minha infusão e aguardo até a alquimia chegar à mesa acompanhada das delícias da cozinha javanesa. Chamado de “Alma Pacífica” pela serenidade, o Amanjiwo mira diretamente o templo de Borobudur e cai em cascata a partir da icônica rotunda projetada pelo falecido arquiteto Edward Tuttle até encontrar a piscina cercada por um grande jardim e por terraços de arroz. A elegância dá o tom nos mínimos detalhes. As suítes têm cores neutras, muita pedra calcária, madeira e um gazebo para descanso. Algumas possuem ainda piscina privativa, refletindo o espírito zen do santuário budista. As camas king-size são harmoniosamente aconchegadas entre quatro pilastras, sobre plataformas ligeiramente elevadas do chão, e o banheiro é amplo, com pias duplas, banheira, ducha interna e externa.
Antes do jantar, assisto à apresentação do antropólogo residente do Amanjiwo, Patrick Vanhoebrouck. Ele vem dedicando anos de estudo a desvendar os mistérios do que diz ser “uma bíblia budista tântrica escrita em folhas de pedra” e fala com paixão sobre o sagrado Complexo de Borobudur, do qual também fazem parte os templos vizinhos Pawon e Mendut, que eu visitaria no dia seguinte.
A TRÍADE BOROBUDUR-MENDUT-PAWON
Para os aventureiros e caçadores de aurora, é vital subir ainda de madrugada o monte Punthuk Setumbu para ver o sol nascer e iluminar o Vale de Kedu tendo ao alcance dos olhos uma cena formada por templos e vulcões. A tríade Borobudur-Mendut-Pawon está alinhada em uma reta de três quilômetros estando Mendut na extremidade oriental, Borobudur na extremidade ocidental e Pawon no meio. A conexão entre eles é inegável, apesar de não se saber muito bem como funcionava essa relação. Ao chegar a Mendut, o fato de haver muitas famílias com crianças sentadas à sombra de uma árvore frondosa chama a atenção. É que os javaneses acreditam que rezar para a divindade Hariti – padroeira da maternidade e símbolo da fertilidade – esculpida em relevo em uma das paredes de pedra do interior do templo de 26 metros de altura ajuda os casais a ter filhos, além de proteger as crianças.
Saio caminhando pela movimentada rua em frente ao templo, no povoado de Wanurejo, e vejo um simpático café chamado Kopi Luwak. Entro para fazer uma pausa e recebo um cardápio no qual consta uma iguaria produzida com os grãos extraídos das fezes de um animal chamado civeta, que lembra um cãozinho. Por ter produção limitada e ser uma raridade, seu preço é alto. O problema é que, para aumentar a produção dos grãos, muitos animais são condenados a viver em gaiolas e se alimentar exclusivamente de grãos de café. Claro que há produções certificadas, com animais criados em liberdade, mesmo assim optei por deixar a iguaria de lado e pedir um café tradicional.
Perto dali, o pequeno Pawon também é cercado de enigmas. Está assentado sobre uma base quadrada tendo paredes de pedra entalhadas, figuras esculpidas nas portas e escadarias e telhado encimado por cinco estupas.
Alguns dizem que servia para purificar a mente antes da subida a Borobudur; outros, que teria sido usado como túmulo para um rei da Dinastia Sailendra, por ter um tanque quadrado no centro da câmara interna. A única certeza dos historiadores é que o templo é uma joia da arquitetura javanesa.
De volta ao Amanjiwo, reparo em um envelope sobre a cama. Dentro dele há uma folha feita artesanalmente em filigrana pela comunidade local e um cartão desejando um descanso tranquilo. É uma réplica da folha da Figueira sagrada sob a qual Buda Gautama teria meditado durante 49 dias até obter sua iluminação. Uma delicadeza desse hotel tão aclamado do grupo Aman que reflete a espiritualidade e a paz da região mais sagrada de Java Central. Ao me despedir, na manhã seguinte, recebo uma benção e uma pulseira-amuleto feita com sementes de rudraksha. Sua intenção é trazer prudência, coragem e sabedoria. Que assim seja. Terima kasih!
TERESA PEREZ INDICA
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Amanjiwo
A possibilidade de avistar o Borobudur, o maior santuário budista do mundo, transforma o resort num local mais que especial para estar na região. A imersão na cultura javanesa que o hotel oferece passa por experiências em cerimônias budistas, programas e passeios pelos principais locais de Java, além de serviços que contemplam uma ampla gama de tratamentos com influência da ayurveda.