A África do Sul é a única região vinícola do mundo imprensada entre dois oceanos – o Atlântico e o Índico – e que conhece exatamente a data da primeira produção de vinhos bem-sucedida.

No dia 2 de fevereiro de 1659, Jan van Riebeeck, o administrador colonial da Companhia Holandesa das Índias Orientais e fundador da Cidade do Cabo, escreveria em seu diário: “Deus seja louvado! Hoje o vinho foi prensado pela primeira vez com uvas do Cabo”. Esse foi o início da história desse país que é hoje o sétimo maior produtor e um dos principais nomes do Novo Mundo, com vinhos de excelente relação custo-benefício. Além da qualidade dos brancos, tintos, rosés, fortificados e espumantes – a África do Sul segue a tradição do método champenoise, com a segunda fermentação na garrafa, aqui chamado de Méthode Cap Classique, o MCC –, tem as belezas naturais.

Com montanhas imponentes e extensos vales verdes, as wine farms do Cabo estão entre as mais belas paisagens vinícolas do planeta. E é no distrito de Paarl (“pérola”) que está Franschhoek, a pequena cidade de 17 mil habitantes que abriga alguns dos melhores restaurantes da África do Sul, e é, sem dúvida, não a mais importante (título que já é de Stellenbosch), mas a mais charmosa das 14 zonas, distritos e regiões vinícolas sul-africanas, todas concentradas na ponta sudoeste do país, logo, na região mais meridional do continente africano.

Smoked kudo do restaurante Miko Mont Rochelle/Miko

DE REFÚGIO DE ELFANTES A PARAÍSO GOURMET

Antes dos 176 huguenotes (calvinistas franceses perseguidos e expulsos da França pelos católicos), que chegaram aqui em 1688, o vale conhecido hoje como a “esquina francesa” – Franschhoek, em africâner – era refúgio de elefantes que encontravam na nascente do Rio Berg o lugar ideal para se reproduzirem.

A presença do homem fez desaparecer os elefantes; o último foi avistado em 1850. De qualquer forma, a influência francesa não só determinou os rumos da vitivinicultura, mas também da gastronomia e da art de vivre: Franschhoek é hoje a capital gastronômica da África do Sul. Em apenas quatro quarteirões (de sete) da avenida principal, a Huguenot Road, encontramos dois hotéis-boutique – os charmosíssimos Le Quartier Français e Leeu House – e os melhores restaurantes da região, e talvez do país: o La Petite Colombe (dentro do Le Quartier Français), o Le Coin Français, o Foliage e o Reuben’s, de um chef celebridade sul-africano que decidiu abandonar Cape Town para abrir seu restaurante em sua Franschhoek natal. Tem ainda o Schoon, um café com comidinhas orgânicas que só trabalha com produtores locais.

Vinícola Holden Manz Shoichi Iwashita

Mas as surpresas não acabam por aí. Muitas das vinícolas de Franschhoek também funcionam como hotéis, com excelentes restaurantes e… vinhos à altura. É o caso do Mont Rochelle, a vinícola-hotel comprada por Sir Richard Branson, a dois quilômetros do centrinho de Franschhoek, que, além de quartos e villas sofisticadas e contemporâneas, abriga o Miko, o restaurante que leva o nome dos vinhos mais especiais da propriedade e tem ainda a vista mais linda de toda a região (chegue quando ainda estiver claro para a taça-de-vinho-com-vista antes do jantar). A Holden Manz, uma vinícola mais rústica, com apenas cinco quartos com vista para as montanhas – e também um ótimo restaurante –, produz vinhos com muita personalidade e foi uma das grandes surpresas da viagem. Em todas elas, é possível se hospedar; almoçar ou jantar; ou apenas fazer uma visita para degustar os vinhos.

Muitas das vinícolas ficam abertas o dia todo para degustação e mais de 15 fazem parte do roteiro do Franschhoek Wine Tram, um vagão de trem vintage, de ferro e madeira, que proporciona um agradável passeio com belas vistas e em horários fixos.

É o caso da Boekenhoutskloof, a mais célebre e exclusiva das vinícolas de Franschhoek, fundada em 1776 e famosa entre os críticos pelos seus Syrah (e popular pelo vinho The Chocolate Block, um blend de Syrah, Grenache, Cinsault, Cabernet Sauvignon e Viognier). As visitas só acontecem às terças e quintas por um bom motivo: diferentemente da maioria das wine farms, elas são guiadas pelo próprio enólogo-chefe, o que faz toda a diferença.

A CRÈME DE LA CRÈME DOS VINHOS SUL-AFRICANOS

Para se aprofundar no universo dos rótulos sul-africanos que figuram no topo das bíblias do vinho, é necessário carro e alguns dias extras para fazer um percurso que começa por Stellenbosch, a apenas 40 minutos de Franschhoek, a região onde está a maior concentração de vinícolas famosas da África do Sul.

Lá, é imperativo visitar a Rust en Vrede, uma das mais antigas propriedades do país, fundada em 1694, cujos vinhos já foram indicados quatro vezes consecutivas na lista dos “Cem Melhores” da prestigiada revista Wine Spectator; provar os Pinotage da Kanonkop Wine Estate (a Pinotage é o cruzamento das uvas Pinot Noir e Cinsault, e foi criada na Universidade de Stellenbosch nos anos 1920, se tornando assim a representação dos vinhos sul-africanos no exterior quando da abertura comercial pós-apartheid), e os conhaques (destilados de vinho) da Van Ryn’s Brandy Distillery; e se hospedar no agradabilíssimo Lanzerac, um hotel-fazenda-spa centenário que produz excelentes Pinotage (eles foram os primeiros a comercializar vinhos feitos com a uva, lançando as garrafas em 1961).

Outra opção, é se hospedar na joia que é o hotel-boutique e vinícola Delaire Graff Estate – sim, propriedade da Graff, a célebre joalheria britânica que comercializa alguns dos diamantes mais absurdos do mundo –, com dois restaurantes incríveis, importantes obras de artistas contemporâneos sul-africanos partout, (uma loja da Graff, claro), e que ainda produz os vinhos mais caros do país.

Vinícola Delaire Graff Estate Delaire Graff Estate

De Stellenbosch, a dica é percorrer 60 quilômetros em direção ao norte para visitar a Sadie Family, donos dos mais visionários vinhos da África do Sul, inspirados pelo estilo dos vinhos do Rhône, e depois descer para a costa sul do país para a Hamilton Russell Vineyards, cujo Chardonnay 2009 foi agraciado com 94 pontos pelo crítico Robert Parker – a mais alta nota já concedida a um vinho branco sul-africano, também pela Wine Spectator – e que produz vinhos com Pinot Noir comparados com grandes da Borgonha.

TERESA PEREZ INDICA

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Onde Ficar

Le Quartier Français

O gracioso hotel-boutique em Franschhoek está rodeado de belos jardins e conta com apenas 22 quartos, todos coloridos e decorados com detalhes vintage, conferindo ambientes aconchegantes repletos de charme. Com elaboração inventiva, a gastronomia se destaca com o restaurante La Petite Colombe, considerado um dos melhores da África do Sul.

Delaire Graff Estate

Na vizinha Stellenbosch, o hotel está instalado no impressionante Helshoogte Mountain Pass e tem vista privilegiada para os vales de Stellenbosch e a Table Mountain. Uma coleção de obras contemporâneas dos maiores artistas sul-africanos está distribuída pelos ambientes das suítes e villas particulares, algumas com terraço e piscina privativa.

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