
Ambientalista, pintor, arquiteto, paisagista, escultor, ceramista, cozinheiro, vitralista, cenógrafo, figurinista, designer, gravurista, barítono e, também, jardineiro, Roberto Burle Marx engrossou o coro da psicanálise de que “é preciso trazer a natureza ao alcance do humano e levar o humano de volta à natureza”.
Nascido em São Paulo, filho de mãe pernambucana e pai alemão, mudou-se ainda criança para o Rio e, jovem adulto, partiu para o exterior. Durante os estudos de pintura na Alemanha teve contato profundo com a flora nativa do Brasil, com Van Gogh, Klee, Picasso e Matisse — tropicalismos, blocos de cor, formas geométricas e composições abstratas/cubistas determinariam sua conexão direta entre biofilia e arte.

Ao retornar, em 1930, iniciou sua coleção de plantas — que resultaria na descoberta científica de mais de 50 espécies, caso do Philodendron burle-marxii — e ingressou na Escola Nacional de Belas Artes, onde teve aulas com Candido Portinari e Lúcio Costa.
Em 1932, Costa o acionou para assinar os jardins da residência Schwartz, em Copacabana, projetada em sociedade com Gregori Warchavchik. Pela primeira vez, Marx materializou sua abordagem paisagística disruptiva ao experimentar misturas com plantas nativas.

Em efeito antropofágico, Roberto deglutia o rigor formal europeu e regurgitava sua versão própria de uma paisagem genuinamente brasileira. Naquela mesma década, foi nomeado diretor do Departamento de Parque e Jardins de Recife — seu ingresso no urbanismo, quando desenvolveu dez praças. Consagrou-se internacionalmente em 1937, também por intermédio de Lúcio Costa, dessa vez contratado para conduzir o paisagismo do icônico Ministério da Educação e Saúde, projetado em parceria com Oscar Niemeyer, no Rio, sob consultoria de Le Corbusier.
Em 1949, adquiriu um terreno de 365 mil metros quadrados, em Barra de Guaratiba (RJ), que se tornaria o Sítio Santo Antônio da Bica — um refúgio para abrigar sua coleção de plantas e realizar experimentações, doado ao governo brasileiro em 1985 e convertido num monumento aberto. Em 2021, o Sítio Roberto Burle Marx foi reconhecido como Patrimônio Mundial pela Unesco. “O tempo completa a ideia do jardim”, teria dito.
A seguir, quatro projetos ajardinados da “mancha” babilônica que Burle Marx decalcou para sempre em nossa paisagem — e no coração do Brasil, com alcance tipo exportação planeta afora.
1. Parque do Flamengo (Aterro do Flamengo)
Localizado no Rio de Janeiro, o projeto foi concebido/coordenado por Lota de Macedo Soares (mulher da poetisa americana Elizabeth Bishop, cuja história é retratada no filme Flores Raras, do diretor Bruno Barreto) entre 1954 e 1961, finalizado em 1965 e submetido a uma renovação em 2000. A ideia de Burle Marx para os jardins era criar um oásis urbano que estabelecesse uma transição suave entre o mar, a cidade e as montanhas numa área de 122 hectares ao longo da orla do Rio, com mais de 17 mil árvores de 240 espécies e arquitetura que inclui curvas graciosas e pavimentadas, a Marina da Glória e o MAM-Rio (Affonso Eduardo Reidy).
2. Calçadão de Copacabana
Também no Rio, é outro projeto histórico — quase zero jardim, totalmente artsy. O redesenho do pavimento então preexistente foi executado em 1971, baseado num padrão português de ondas (“Mar Largo”) originário da Praça do Rossio, em Lisboa. Burle Marx reconfigurou o design, alongando as curvas e integrando-as a um conjunto gráfico mais amplo, característico de seu abstracionismo formal. O resultado é a extensa paisagem artificial (sem o sentido negativo da palavra) de 4 quilômetros de extensão, com utilização de mosaicos (cacos) de pedra portuguesa em preto e branco para criar um padrão de ondas que quebram. É, provavelmente, a sua obra mais popular numa escala global.
3. Conjunto Arquitetônico da Pampulha
Erigido por Oscar Niemeyer em Belo Horizonte, foi concebido em 1940 e concluído em 1943. A Pampulha faz parte de um projeto visionário organizado ao redor de um lago artificial, composto de quatro edifícios: o Cassino (atual Museu de Arte da Pampulha), a Casa do Baile (atual Centro de Referência em Urbanismo, Arquitetura e Design), o Iate Clube (hoje Iate Tênis Clube) e a emblemática Igreja de São Francisco de Assis, com painéis artísticos de azulejaria feitos por Candido Portinari em parceria com outro colega famoso, Athos Bulcão. A paisagem botânica projetada por Burle Marx integra esses prédios à natureza. O Conjunto da Pampulha foi reconhecido como Patrimônio Mundial pela Unesco em 2016.
4. Edifício Gustavo Capanema (Ministério da Educação e Saúde)
Trata-se do primeiro projeto modernista executado em grande escala no Brasil, iniciado em 1935 e concluído em 1943. Sob consultoria do legendário francês Charles-Édouard Jeanneret-Gris, mais conhecido como Le Corbusier, os arquitetos Lúcio Costa e Oscar Niemeyer (além de Affonso Eduardo Reidy, Ernani Vasconcellos, Carlos Leão e Jorge Machado Moreira) acionaram Burle Marx para projetar os jardins do edifício de 15 andares de onde saltam princípios modernistas como pilotis, brises-soleil, plantas livres e terraços. Por ali, Marx semeou suas formas orgânicas por meio de uma potente composição tropical, integrando de forma expressiva a natureza à construção.