Os flamingos tiraram seus bicos curvados do fundo do lago em busca de algas e levantaram voo em um rasante rosa sobre o vermelho-terracota da Laguna Colorada

A cáfila de vicunhas parou de pastar e saiu em disparada pelo bofedal, um gramado muito úmido, alegria gastronômica dos camelídeos dos Andes. Enquanto desembrulhava o almoço no mirante Punta Negra, nosso guia, Elvis Daniel Acebey Surcy, suspeitou da presença de um puma ou de um gato andino, como motivo do movimento súbito dos animais. Corria o primeiro dia da jornada on the road pelo Altiplano Boliviano, um imenso platô alto, frio e desabitado entre as cordilheiras Oriental e Ocidental dos Andes.

Caminhada nas dunas dos arredores de San Pedro de Atacama, ponto de partida da viagem Henrique Skujis

Depois da largada em San Pedro do Atacama, ainda no Chile, a viagem pelo segundo maior planalto de grande altitude da Terra (menor apenas que o Himalaia) entra na Bolívia e se desenrola sempre acima dos 3,6 mil metros de altitude pela Reserva Nacional de Fauna Andina Eduardo Avaroa, uma homenagem ao herói boliviano na inglória Guerra do Pacífico (1879-1883). Entre vulcões ativos, montanhas nevadas, lagos coloridos, gêiseres em ebulição e salares colossais, a esticada sobre quatro rodas une o Deserto do Atacama e o Salar de Uyuni, duas das maiores preciosidades naturais da América do Sul.

Altiplano Boliviano: paisagens exuberantes sempre acima dos 3,6 mil metros Henrique Skujis

Com tal origem e tal destino, os 578 quilômetros dessa travessia nem precisavam ser tão espetaculares. Mas são. Antes da Laguna Colorada, que merece um dia inteiro de contemplação, nosso motorista, Max, jovem fluente em quéchua, uma das 37 línguas oficiais do Estado Plurinacional da Bolívia, já havia nos levado às margens da Laguna Verde — aos pés do onipresente vulcão Licancabur —, logo depois da fronteira com o Chile, e ao mais alto campo de gêiseres do mundo, o Sol de la Mañana. A 4.850 metros, altitude máxima da viagem, enormes poças de barro borrifam incessantemente água escaldante e vapores sulfúricos. O odor, a beleza bruta da natureza e a escassez de oxigênio tiram o fôlego.

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Após mais duas horas de não-estrada pelo Altiplano, entregues ao inacreditável GPS mental de Max, no meio do nada, de repente, como miragem, surge o Explora Ramaditas. Improvável dar de cara com um lodge com tamanha sofisticação em um pedaço tão inóspito do planeta. Grosso modo, são três grandes contêineres (um com quatro quartos para os hóspedes, um com restaurante e sala de estar e um para guias e equipe do hotel) que tentam (e conseguem parcialmente) interferir pouco na paisagem. Cercados por montanhas pintadas de paja brava, típica grama dourada dos Andes, parecem não estar lá.

Da pesada porta para dentro, a rudeza do deserto some e o padrão Explora, já célebre nos outros seis hotéis da rede chilena na América do Sul, evidencia-se na estética, no conforto, nos mimos, no atendimento e no delicioso jantar elaborado com ingredientes e receitas locais e preparado por funcionários contratados das comunidades indígenas da região — uma imposição dos nativos do Altiplano Boliviano para deixar o Explora montar ali sua mais remota operação. Tudo impecável, inclusive o quarto aconchegante, com uma grande janela de vidro diante da lagoa que batiza o lodge.

Lhamas caminhando pelo bofedal andino Henrique Skujis

No segundo dia, as atrações se sucedem acima dos 4 mil metros. A Laguna Hedionda magnetiza com suas cores, com o imponente vulcão Tapaquilcha ao fundo e com a infinidade de flamingos — eles de novo. Você pode simplesmente escolher uma pedra confortável e se sentar para observar a pintura em movimento à sua frente.

Brincadeira interessante é tentar identificar com um binóculo as três espécies de flamingo que colorem o Altiplano.

As diferenças entre elas são sutis: a altura, a cor das patas, o formato do bico, o tamanho do rabo… Mais um par de horas e Max para o Toyota Land Cruiser. Novamente no meio do nada.Hora de caminhar por um imenso bofedal permeado por riachos de água cristalina e repleto de lhamas — ao contrário das vicunhas, selvagens, estas são domesticadas, servindo como animal de carga e provedor de lã e alimento para o ser humano.

O trekking suave, de pouco menos de 5 quilômetros, leva à Laguna Turkiri, outra preciosidade desconhecida do Altiplano. Depois de uma leve subida pelas encostas da lagoa, reencontramos Max ao lado de uma mesa posta com uma salada, sanduíches e uma sopa de quinoa.

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Duas cadeiras estrategicamente posicionadas permitem degustar o almoço de frente para o vulcão Caquella e para a Turkiri, cheia de pássaros altiplânicos, como os gansos andinos e as carquejas-gigantes que constroem ninhos flutuantes tão improváveis como os lodges do Explora. Difícil deixar a vista deslumbrante para trás, mas é preciso seguir viagem até o Explora Chituca. Rodeado de cactos, o hotel segue a arquitetura e o conforto do Ramaditas.

No deserto de sal

O terceiro dia… depende. É o momento do encontro com o Salar de Uyuni. Na época da seca, de abril a novembro, ir de Chituca a Jirira, o terceiro lodge do Explora, leva três horas. Cruza-se o salar de sul a norte em uma viagem lunática cercada de sal e nada por todos os lados. Como estávamos lá em janeiro, tempo de chuva, o maior salar do planeta vira uma piscina com água na altura do tornozelo. Impossível atravessá-lo de carro.

É necessário dar uma volta de quase 500 quilômetros e oito horas por fora da planície salgada.

Vale a pena, pois de novembro a abril boa parte de seus 12 mil quilômetros quadrados vira um espelho mágico que dobra céu, montanhas e tudo que estiver por lá: carros, bicicletas, sol, lua, pessoas.

Pedalada na superfície alagada do Salar de Uyuni Henrique Skujis

Parece mentira feita por um programa de computador, ainda mais no pôr do sol, quando as cores inebriam o olhar e desatinam a cabeça. Tudo acompanhado por mais uma mesa posta com gastronomia de primeira preparada pelo mais espetacular dos Explora altiplânicos e, quiçá, da América do Sul. A localização do Jirira, de cara para a imensidão do salar, é fora de série; e a vista do quarto e da recepção, um tesouro da hotelaria mundial. Mas prazer mesmo é calçar as galochas para explorar o interior do salar, andar sem direção, pedalar ao léu, confundir terra e céu e perceber que o Altiplano Boliviano está entre os destinos mais espetaculares do planeta

TERESA PEREZ INDICA

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Onde Ficar

Explora Atacama

Respeito à natureza e gosto de liberdade: essa é a essência do explora Atacama. Característica comum aos lodges explora, os programas desenvolvidos especialmente para descobrir o melhor de cada região são os destaques. Próximo ao povoado de San Pedro de Atacama, ele oferece mais de 40 atividades guiadas – como caminhadas, passeios a cavalo e de bike. Imperdível: a Travessia Uyuni nos leva a algumas das paisagens mais espetaculares do planeta, explorando o Altiplano Boliviano e alcançando a Salina de Uyuni, com toda sua tranquilidade intacta.

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