Parthenope, antigo nome de Nápoles na mitologia greco-romana, refere-se a uma sereia. É também a musa do cineasta e roteirista italiano Paolo Sorrentino em Parthenope: Os Amores de Nápoles.

Quase um ano depois de estrear no Festival de Cannes, concorrendo ao prêmio principal, a Palma de Ouro (conquistada por Anora), o filme chegou aos circuitos europeu e brasileiro no final de março. Por aqui, foi também apresentado no Festival do Rio em 2024.

Foi nesse momento que me encantei pela cidade natal de Sorrentino e modifiquei um roteiro pronto de férias pela Itália para incluir alguns dias em Nápoles. Sem nenhuma intenção de seguir para a deslumbrante Costa Amalfitana, já que seria inverno.

Celeste Dalla Porta Gianni Fiorito

Ao sul de Roma, Nápoles protagoniza Parthenope uma década depois de A Grande Beleza, filmado por Sorrentino na capital italiana, ter recebido o Oscar de melhor filme em língua não inglesa, em 2014. O novo longa-metragem conta a fascinante história de uma mulher desde seu nascimento nas águas da Baía de Nápoles, na década de 1950, até os dias de hoje.

Diferentemente da personagem interpretada pela atriz Celeste Dalla Porta, difícil de não ser notada pela beleza e pelo carisma, Nápoles costuma ser desprezada, ignorada ou mesmo ofendida pelos moradores do Norte da Itália. É uma cidade intensa, às vezes melancólica, de personalidade forte. Arrebatadora. Exatamente como Parthenope, também nome da personagem do filme, que tem participações especiais de Gary Oldman e Stefania Sandrelli.

Gary Oldman Gianni Fiorito

Parthenope começa com panoramas das villas de Posillipo, que podem ser avistadas em passeios de barco, e da Baía de Nápoles. Paisagens tranquilizadoras, não fosse a massiva presença do Vesúvio ao fundo. É o vulcão, ou a destruição causada em Pompeia e Herculano, uma das principais razões que levam visitantes a Nápoles. Outras duas são Capri e a Costa Amalfitana. Em Parthenope, Capri aparece em um verão breve, ainda que essencial para a trama.

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Nápoles é muito mais do que a estação de trem de passagem, como Parthenope permite vislumbrar. Numa das cenas iniciais, no pós-Guerra, Parthenope comenta algo como “Começou a primavera, e as pessoas foram ver Nápoles se despir”. Corta para uma sequência filmada na majestosa galeria comercial Umberto I e na Via San Carlo, endereço da ópera de Nápoles. Construída no final do século XIX, a galeria não deve nada em beleza à Vittorio Emanuele II, em Milão. Ainda que em Nápoles as lojas de grife de moda e joalherias se concentrem na Via dei Mille e nos arredores, no elegante bairro de Chiaia.

Um deus napolitano

Celeste Dalla Porta, Stefania-Sandrelli Gianni Fiorito

Em uma noite em Spaccanapoli, via que vai do Centro Histórico ao popular Bairro Espanhol, desenrola-se uma sequência grotesca que contrasta com o ensolarado mundo de Parthenope nas villas de Posillipo. Roupas penduradas nos varais do lado de fora das janelas estão por toda parte nas ruas estreitas calçadas com paralelepípedos do centro antigo. Na realidade, estão por toda parte mesmo, inclusive nas áreas nobres, como Chiaia e Vomero.

A Catedral de San Gennaro, o padroeiro da cidade, é palco de uma cena que combina sagrado e profano. Assim como Nápoles. A igreja guarda um tesouro centenário em metais e pedras preciosas. San Gennaro é o santo milagreiro mais amado e cultuado pelos napolitanos. Já o deus reverenciado pela cidade é um só: Diego Maradona, como se fosse ontem que o Napoli tivesse conquistado pela primeira vez o Campeonato Italiano, em 1987.

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Foram sete anos de uma história de amor incondicional entre o jogador e a cidade. Sorrentino é o diretor de A Mão de Deus (2021), também filmado em Nápoles. O título faz menção ao gol de Maradona contra a Inglaterra na final da Copa do Mundo de 1986, quando a Argentina conquistou o bicampeonato. “Deus” está por todo lado. De anúncios comerciais em painéis gigantescos com o rosto do ídolo a milhares de pequenos ímãs de geladeira, passando por murais nas paredes, decoração dos muitos cafés e camisetas, Maradona parece mais amado em Nápoles do que na Argentina.

O canto da sereia

Celeste Dalla Porta, Paolo Sorrentino Gianni Fiorito

Em algum momento de Parthenope, um personagem comenta que é preciso diferenciar o irrelevante do decisivo. Nápoles é decisiva. Precisei antever a loucura da cidade pelos olhos de Sorrentino, depois de muitas viagens pela Itália, para perceber isso. Não reserve apenas algumas horas para complementar a visita a Pompeia conferindo o Museu Arqueológico Nacional. Nápoles é vibrante. Mergulhe sem medo no caos, e a recompensa logo vem. Inclusive em forma de pizza.

Como uma margherita, invenção napolitana, sempre com mozzarella da Campania e tomates frescos de Sorrento, acompanhada de um branco local bem gelado, pode ser o Lacryma Christi del Vesusio, em um restaurante qualquer. Você vai ser fisgado pelo canto de Parthenope.

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