
“Navegar é preciso”, já dizia Pessoa. Mas em abril, o que essa Pessôa que vos fala precisa mesmo é voar pro céu e perguntar: estrelas, estrelas minhas, qual latitude me pertence este ano?
Dessa vez, a resposta veio com promessas de mosteiros, silêncio e as montanhas distantes do Butão. Mas também com um porém: sou fanática por hotelaria — e me hospedar no Aman está na minha bucket list há anos. Só que ele estava sem disponibilidade na data exata da minha revolução solar. Faria sentido atravessar o mundo e não dar esse check? Preferi guardar o destino para um momento futuro (P.S.: isso Taurus não vê, né?)
(Reza a lenda que quem é guiada pelas estrelas precisa também confiar nos desvios. E foi assim graças à minha devoção astral, que, num entretempo entre compromissos de trabalho em Miami e malas quase prontas, o céu me sussurrou uma nova alternativa: Chapada dos Veadeiros.

Confesso: já havíamos flertado antes, eu e ela. Mas nunca era o momento certo — baixa temporada, hospedagens que não me convenciam ou, simplesmente… desencontro. Mas dessa vez, as estrelas queriam. Era alta temporada. E havia a joia da Fazenda Shanti para me hospedar.
Pense num segredo, daqueles que pouquíssimos sabem a respeito. E pense em algo raro e belo, mas muito belo. A Fazenda está localizada a poucos minutos de Alto Paraíso, em uma área que me pareceu muito privilegiada. Ela é banhada pelo Rio São Miguel e fica muito próxima do Vale da Lua — uma das principais atrações da região.
Quando você chega na Fazenda, entra por um deck elevado e um corredor natural de plantas e, ao final dele, você descobre que esse deck desemboca em uma fazenda linda, com um paisagismo de cair o queixo (só conseguia pensar no trabalho que deve dar manter esse paisagismo daquele jeito).
Esse mesmo deck serpenteia toda a fazenda e, através dele, você vai descobrindo os chalés (ou moradas, como eles chamam), cantos, tudo entre a natureza. Difícil de explicar e enxergar, eu sei. Sobre a arquitetura desses chalés, casa principal e anexos: tudo ali parece ter sido projetado com um grau raro de discrição — como se o objetivo não fosse se destacar, mas dissolver na paisagem.
As moradas, a sede, a casa de massagem… nenhum espaço parece surgir de forma planejada para causar impacto. Ao contrário: o impacto é justamente por estarem totalmente mimetizados e inseridos na natureza, e é ao longo do seu deslocamento que os lugares vão se revelando. Tudo é silêncio.

A vegetação é densa, viva e ocupa a cena — e isso, para mim, foi especialmente bonito. Sentir-se pequeno ali não é incômodo: é reconfortante. Me dei conta disso mais de uma vez, quando me vi parada, apenas olhando a mata, pensando “uau” em voz alta. Tadinho do meu namorado, que teve que ouvir minha admiração repetida em loop.
Importante: a Fazenda Shanti não é exatamente um hotel — ela opera em regime de mono hospedagem. Ou seja, normalmente ela é destinada a grupos fechados.
Agora que você sabe que a Shanti não é um hotel, voltemos para a “minha fazenda particular por 3 dias”: todo o atendimento funciona como se você estivesse, de fato, na sua própria fazenda. Você come quando quiser, pode pedir aquela sobremesa maravilhosa do dia anterior, decide seus próprios horários. Esqueça cardápios e preços, comporte-se como se na sua fazenda estivesse (a alimentação é incluída na hospedagem! Tudo com simplicidade, mas zero improviso). O staff é gentil, eficiente e sabe se fazer presente sem invadir.


Minha morada ficava próxima ao Rio São Miguel. Dormir e acordar com o som da água foi, para mim, quase uma experiência catártica.
No que tange às atividades, todas foram escolhidas com um objetivo claro: entrar no meu novo ciclo com o pé direito, energeticamente limpa e emocionalmente disponível. No dia da minha revolução solar, fui ao Vale da Lua. Deitei nas pedras, mergulhei nas águas geladas, deixei que a correnteza me atravessasse. Fiz massagens em uma casa de vidro encravada na mata. Tive meus chacras alinhados e ainda recebi um banho de ervas numa espécie de praia particular: na margem do Rio São Miguel, que passa rente a uma muralha de pedra — essa prainha é privada da Fazenda Shanti.

Horas mais tarde, nessa mesma prainha, e sob um céu absurdamente estrelado, acendemos uma fogueira. Sem iluminação artificial, sem ninguém por perto. Só nós, o fogo e a natureza em estado bruto.
Saí de Miami, onde tudo pisca, gira e brilha, pra cair num lugar onde nada acontece — e, justamente por isso, tudo acontece. E foi ali que, no exato instante em que o sol retornou ao ponto de partida, eu me vi cercada de presentes feitos à mão, cartões com a caligrafia mais bonita que conheço, e vozes miúdas me contando memórias que já são minhas também.
Ora, ora… parando pra pensar… será que esses presentes em 2025 só existem porque, em 2023, eu obedeci às estrelas e me despenquei sozinha até Marfa? Nunca saberei. Só sei que… voar é preciso.