Em outubro de 2012 eu estava a caminho dessa solitária ilha do Oceano Pacífico, chamada Rapa Nui por seu povo.
Antes da viagem, minha mãe me entregou uma caixa de chocolates com um bilhete para o casal Omar Durán e Isabel Veri Veri, que, em 1976, a hospedaram numa barraca em seu quintal, junto com meu pai e mais duas amigas da faculdade. Ao longo dos anos, Isabel e minha mãe trocaram cartas. Já com a mala pronta, a viagem foi inexplicavelmente cancelada na véspera. Saboreei os doces, mas remoí por anos a frustração.
Em setembro de 2024, finalmente pisei na Ilha de Páscoa. Apesar de ter perdido minha mãe em 2021, resolvi trazer bombons em seu nome mesmo assim e buscar pela família Durán Veri Veri. Queria encontrar aqueles senhores e lhes dizer que alguns brasileiros ainda tinham carinho por eles e guardavam lindas memórias deles e desse lugar quase meio século depois.
Não demorei muito a descobrir que já não poderia conhecer Omar e Isabel, pois ambos haviam falecido há poucos anos. Mas descobri também que um de seus filhos, Tumaheke, não só estava vivo como era próximo de uma funcionária do hotel em que me hospedei. Sem hesitar, ela ligou para ele, que em poucos minutos apareceu na recepção, abriu um sorriso tímido e disse: “Se nossos pais foram amigos, nós também vamos ser”. E me deu um longo abraço. Mais ou menos como fez a ilha.
Esse primeiro contato se deu com o colar de flores de boas-vindas no aeroporto e um acolhimento caprichoso e simpático da equipe do Nayara Hangaroa. Inspirada em antigas construções da ilha, a arquitetura do hotel usa pedras vulcânicas e consegue transmitir autenticidade e trazer muito conforto. As refeições também são, sem dúvidas, um ponto alto. A bordo dos tours guiados oferecidos pelo Nayara, fui me envolvendo com a Ilha de Páscoa em suas paisagens, sua natureza, suas tradições e sua história, contada em parte pelos moais que homenageiam seus antepassados.
MOAI VIAJANTE
À beira do mar, 15 desses moais formam o Ahu Tongariki, o maior e mais famoso conjunto de estátuas da Ilha de Páscoa, restaurado após brigas entre clãs rapa nui e depois de um tsunami em 1960. Com cerca de 220 metros de largura, a maior plataforma (ahu) da ilha tem como vizinho o “moai viajante”, solitário na entrada do sítio, ao lado de belos petróglifos, desenhos talhados na pedra.
Dali é possível avistar, nas encostas do vulcão Rano Raraku, uma imensa “plantação de moais”. Na verdade, trata-se de Tarai Moai, também conhecida como “oficina dos moais”, por ser a única linha de produção das mais de 900 esculturas espalhadas pelos 164 quilômetros quadrados da ilha – o equivalente à área de Natal (RN). Hoje, o que se vê são dezenas de cabeças e troncos brotando da grama verdinha, numa caminhada de cerca de uma hora e meia de lisergia e poesia puras.
Se o amanhecer mais famoso de Rapa Nui é no Ahu Tongariki, do outro lado da ilha o Ahu Tahai emoldura o pôr do sol mais clássico e disputado do local com seus cinco moais agrupados e outro solitário. O Ahu Ko Te Riku ostenta o único moai considerado “completo”, com olhos feitos de coral branco e obsidiana, uma cobiçada rocha preta.
Por sinal, moais de pedras variadas – como vulcânica, ônix e lápis-lazúli –, assim como camisetas e marcadores de páginas com escrituras Rongorongo, estão entre os souvenirs mais vendidos na única cidade, Hangaroa. Todos os cerca de 7 mil morado – res vivem ali. Hangaroa tem um ar de vila praiana, com árvores médias e vegetação tropical, e reúne todas as opções de restau – rantes, bares e espaços com interessantes espetáculos culturais de música e dança.
Se, como eu, você imaginava que uma ilha no meio do Pacífico obviamente teria uma abundância de praias, errou. Única faixa de areia da ilha, Anakena é lindíssima e fica cheia aos fins de semana. Mas tem o privilégio de ser a única praia do planeta protegida por moais, que garantem fotos surreais de qualquer ângulo.
Outros tours clássicos da Ilha de Páscoa levam ao Ahu Vinapu. Com pedras polidas com estilo e precisão de lapidação inca, os moais virados na direção do Peru reforçam a teoria de que povos americanos estiveram lá antes dos europeus. Da pedreira de Puna Pau eram extraídas as rochas avermelhadas para fazer os pukaos, que simbolizavam os cabelos (e não chapéus, aprendi) dos moais. Já o Ahu Akivi é o único em que os moais olham para o mar, em direção à Polinésia Francesa, de onde vieram os ancestrais, mas também ao pôr do sol durante o equinócio de primavera.
Do Brasil, meu pai acompanhava emocionado cada passo da viagem. Ele se recordava de subir a pé o vulcão Rano Kau, desavisado, como se aquele fosse um morro qualquer, e nunca esqueceu o espanto ao dar de cara com a improvável e majestosa cratera alagada. Ele se lembrava de ter provado uvas saborosíssimas que brotavam naquela encosta. Lá em cima, perguntei a um jovem guia local se ele sabia das tais uvas ou se poderia ser alguma confusão de quase 50 anos das memórias paternas. O nativo abriu um sorriso, como se revelasse um segredo, e me indicou o ponto exato onde os frutos (ainda deliciosos!) são colhidos no verão. Salivei e brindei mentalmente a todos os antepassados, os meus, os do Tomaheke e os de Rapa Nui, como um todo.
TERESA PEREZ INDICA
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Nayara Hangaroa
O Nayara Hangaroa é uma experiência singular de hospedagem na Ilha de Páscoa, com arquitetura inspirada na antiga aldeia de Orongo, na beira da cratera do vulcão Rano Kau. Com 75 acomodações, o hotel usa tecnologia moderna para controle de água, energia e temperatura. Cada quarto conta com uma ampla varanda privativa com vista para o entardecer no Oceano Pacífico. Tem três restaurantes – Poevara, Kaloa e Vaikoa Bar –, todos com culinária autêntica e internacional, que usam ingredientes frescos da ilha e oferecem opções que variam de frutos do mar a pratos tradicionais rapa nui. A gastronomia é bonita e saborosa, pensada para harmonizar com a experiência sensorial e a riqueza histórica da ilha. Já o Spa Manavai tem sauna, hidromassagem e quatro salas onde são realizados tratamentos de relaxamento e beleza com ingredientes locais, como algas e chocolate. Além do conforto e luxo discreto, o Nayara Hangaroa propõe uma série de tours exclusivos para explorar a ilha a fundo, de contemplações do nascer do sol em Ahu Tongariki até excursões culturais pelas plataformas de moais e cavernas. Os hóspedes podem escolher, ainda, entre trekking no vulcão Rano Kau, cavalgadas, passeios de barco e snorkelling