A suíça Isabelle Eberhardt é uma das mulheres que rejeitou regras para perambular por destinos do norte da África, como o Marrocos, onde passou por Fez, Rabat e Marrakech.
Acusada de espiã, em razão dos seus trajes de homens, espiou o mundo proibido às mulheres, escondendo-se por trás de nomes masculinos para se deslocar com liberdade, sobretudo em países árabes. Fez sua última viagem em 1904, quando sua casa de barro foi inundada, em Aïn Séfra, na Argélia, matando a jovem de 27 anos afogada no deserto, um dos seus cenários preferidos no mundo.
Já a norte-americana Nellie Bly teve mais sorte, mas ainda assim também precisou enfrentar estereótipos. Quando essa jornalista da Pensilvânia anunciou que queria dar uma volta ao mundo para bater o recorde do livro mais famoso de Júlio Verne, a resposta não poderia ter sido diferente. “Para fazer isso é preciso ser homem”, respondeu um colega, alegando falta de segurança e excesso de malas. Nellie não só abraçou o mundo com uma única mala de mão e um só vestido como também voltou 72 dias depois, três antes da sua meta.
Entre novembro de 1889 e janeiro do ano seguinte, a repórter pegou vapores, trens e riquixás para provar que a estrada também é para mulheres. Após a travessia de Nova York à Inglaterra, passou pela França, onde conheceu pessoalmente o autor de A Volta ao Mundo em 80 Dias, e também por Itália, Egito, Iêmen, Ceilão (atual Sri Lanka), Malásia, Cingapura e Hong Kong. Mas foi no Japão, o último país antes de cruzar o Pacífico até São Francisco, nos Estados Unidos, que Nellie sentiu “um requintado deleite dos sentidos”.
Esteve em Yokohama e Tóquio, e se perdeu em adjetivos para descrever os locais: encantadores, graciosos e felizes. A viajante solitária se encantou também com o florescimento das cerejeiras e as casas enfeitadas para o Ano Novo. Com pressa de partir, ainda teve tempo de ver uma apresentação de gueixas, seguida de um ritual de chá e… cachimbos.
A DAMA DOS TRILHOS
Se, de um lado, relatos masculinos eram cheios de aventuras, vitórias e heroísmos, do outro as mulheres precisavam equilibrar pratos, entre a produção de conhecimento e questões domésticas que surgiam nas viagens, só para dar dois exemplos de como elas sempre tinham que provar que mereciam viajar.
Uma delas foi a britânica Maria Graham, historiadora, ilustradora e herborista que, entre 1821 e 1825, esteve três vezes no Brasil, em Pernambuco, na Bahia e no Rio de Janeiro. Suas viagens por aqui são do tempo em que ir para Itaparica, na Bahia, era fazer expedição, o Catete ficava no subúrbio do Rio e a Colônia estava a ponto de se livrar de Portugal. Entre tarefas ditas femininas que assumiu nas travessias por mar, como cuidar de enfermos e ensinar marinheiros, Graham inventariou nossa história em livros. Aliás, sua obra é o único escrito feminino de uma viajante no momento em que o Brasil se tornava independente.
“Sou bastante capaz de lutar minhas próprias batalhas e é o que pretendo fazer”
Maria Graham – Viagens ao Brasil / Ed. Landmark
Pouco mais de um século depois, Agatha Christie criaria um clássico, com base em uma das viagens mais cobiçadas do mundo dos trilhos. Passageira frequente do Orient Express, a Rainha do Crime imaginou parte do clássico Assassinato no Expresso do Oriente em 1929, quando seu trem que vinha de Istambul foi pego de surpresa por uma tempestade na atual Çerkezköy, na Turquia. Nos seis dias em que ficou parada, a escritora criou tramas de mistério vividas pelo detetive fictício Hercule Poirot. Sua estreia no trem, no ano anterior, foi sua primeira viagem solo ao exterior. Mas a mais inspiradora para sua literatura foi a volta ao mundo feita com o primeiro marido, Archibald Christie, em 1922, quando o casal ficou dez meses pelos então territórios do Império Britânico: África do Sul, Austrália, Nova Zelândia, Havaí e Canadá.
BRASILEIRAS VIAJANTES
Naquele começo de século, brasileiras também rompiam padrões. Viagens não eram novidade para a pintora Tarsila do Amaral: interior paulista, na infância; Paris pela primeira vez, aos 16 anos; e uma inusitada lua de mel na Argentina e no Chile, aos 18.
Mas os anos 1920 foram os seus mais viageiros. Voltou à França com a filha, Dulce, e lá morou “a dois passos do Louvre” (1920); esteve em Portugal, Espanha e Itália, às escondidas, com Oswald de Andrade (1923); visitou as cidades históricas de Minas Gerais e foi novamente a Paris (1924); e fez uma viagem pré-nupcial com Oswald para a Europa (1925). Antes de sua primeira viagem individual a Paris, em 1926, conheceu também Grécia, Turquia, Chipre, Israel e Egito; e, em 1928, ficou na Europa até o ano seguinte. Em 1929, porém, vieram a Quebra da Bolsa de Nova York e Pagu, e a vida de Tarsila nunca mais foi a mesma. Três anos depois, ainda viajou para a então URSS, o que lhe rendeu uma prisão de cerca de um mês, em São Paulo, por causa da viagem vermelha.
“A arte de viajar é uma arte de admirar”
Cecília Meireles – Crônicas de Viagem / Editorial Global
Já a escritora Cecília Meireles fez poesia com a estrada, em destinos como as Américas (Uruguai, Peru, Porto Rico, México e Estados Unidos), Europa e Israel. Porém, a viagem que mais rendeu reflexões e textos foi a que fez para a Índia, onde chegou a receber o título de Doutor Honoris Causa, pela Univer – sidade de Delhi. Participou também de um seminário sobre Gandhi, viu pro – cissão religiosa, em Puri, e se encantou com cores, sons, sabores e texturas. Se, para uns, viajar era “caminhar pela superfície das coisas”, para Cecília era querer “morar em cada coisa”.