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Em 2019, durante o Salão do Móvel de Milão, maior feira internacional de design do planeta, realizada anualmente na Itália, Philippe Starck lançou uma cadeira com a marca italiana Kartell, sua parceira de longa data. AA.I. Chair não era apenas mais um móvel. Era também uma inter-rogação.

“Fizemos uma pergunta à inteligência artificial: A.I., como você pode sustentar nosso corpo com a menor quantidade de material e energia possível?”. Inteiramente produzida com plástico reciclado, a construção da peça foi possível graças à empresa de software norte-americana Autodesk, colaboração que antecipou, no design, uma polêmica que hoje – 2023 – atinge áreas como a comunicação e as artes com as notícias sobre o avanço de tecnologias como o sistema GPT-4, da OpenAI, capaz de gerar e editar textos aprendendo com o estilo de escrita do usuário.“Na época, eu confesso que fiquei incomodado, porque acredito que o designé feito por pessoas e para as pessoas. E quando ele conta que deu aos algoritmos… Isso em 2019. Mas a provocação é um ponto inerente a ele, sempre propondo discussões”, define o designer brasileiro Pedro Franco, um observador da cena internacional.

A criação da A.I. Chair descreve a vocação disruptiva de Starck, cujo traço muitas vezes transcende a funcionalidade prevista, causando impacto de ordem emocional, o que também é motivo de polêmicas – como ele próprio.“Um objeto que é instantaneamente aceito não tem o direito de existir”, costuma repetir. Fato é que seu trabalho se tornou referência para uma época.“Ele inaugurou a era do design espetáculo, design celebridade, um momento de fetichização nos anos 1980, e ficou conhecido como o mago das formas. É um pouco controverso, mas não se pode negar o papel dele na história do design”, aponta Baba Vacaro, designer que atua na gestão estratégica de produto e comunicação das empresas Dpot e Docol e apresentadora do programa Navega, da Eldorado FM.

A icônica cadeira A.I. Chair Divulgação/Philippe Starck
Ruy Teixeira

Com uma carreira de mais de quatro décadas, Philippe Starck afirma encarar seu trabalho como uma tarefa ética, subversiva, política, poética e bem-humorada. A palavra “surreal”costuma aparecer nas descrições de suas obras. “Você pode confiar no seu subconsciente porque o subconsciente não mente. É o verdadeiro eu”, destaca o designer francês.

Elementos da decoração do hotel Rosewood São Paulo Divulgação/Philippe Starck

DOS ANOS 1970 AO FUTURO

Nascido em 1949, em Paris, Starck descobriu a invenção observando o pai, o engenheiro aeronáutico André Starck, diante de suas pranchetas. No final dos anos 1970, fundou sua empresa, dando início a colaborações com marcas italianas e, na parceria com esse país, viu crescer sua fama mundial ao desenhar produtos para o cotidiano como o Juicy Salif, de 1988, espremedor de alumínio desenvolvido para a Alessi que hoje integra a coleção de museus, entre eles o MoMA, em Nova York.

Figura de cera de Philippe Starck feita por Éric Saint-Chaffrayn Yann Deret
Cadeiras Kartell Divulgação/Philippe Starck
Still do filme La Tour , de René Clair, 1928 La Cinémathèque française

Mas a virada de sua carreira, nascida no pleno traço pós-moderno da década de 1980, aconteceu por causa do convite para um projeto de decoração de interiores. Não era um projeto qualquer. Em 1983, por indicação do ministro da Cultura francês, Jack Lang, o então presidente François Mitterrand (1916-1996) contratou Starck para decorar sua residência privada no Palácio do Eliseu. “Ali, a marca Baleri Italia lhe abriu as portas italianas e ele seguiu numa produção imparável. Ele é emocionalmente provocativo, estratégico, industrial, ou seja, uma síntese difícil de encontrar, realmente vanguarda”, afirma Pedro Franco.

“O design certamente espera melhorar a vida, mas não pode salvá-la. A única coisa que ele pode fazer para justificar sua existência é pelo menos se mover em direções mais humanistas”

Logo depois da residência presidencial francesa, Starck assinou o Café Costes, em Paris, local que confirmou seu talento para espaços icônicos. Daí para as colaborações no mercado hoteleiro foi um pulo. Ao primeiro, o Royalton, em Nova York, de 1984, seguiram-se endereços como o Faena, em Buenos Aires, de 2004, e o Fasano, no Rio de Janeiro, de 2007, onde misturou madeira, vidro e mármore diante do mar de Ipanema. Recentemente, em 2021, São Paulo recebeu o hotel Rosewood, localizado no complexo onde funcionou, no século 20, o antigo Hospital Matarazzo. Nesse projeto, que tem um edifício novo de Jean Nouvel, vencedor do celebrado prêmio de arquitetura Pritzker, em 2008, Starck assina a decoração. E o que há em comum em todos eles, assim como nos utensílios e objetos concretizados por Starck? Uma narrativa em busca do extraordinário. “Meu trabalho é como o de um diretor de cinema. Conto histórias e ofereço ao público a noção espiritual mais completa possível dos espaços que visitam. Os espaços públicos são, acima de tudo, emoções e experiências”, diz Starc.

7 VERSÕES DO MUNDO DE PHILIPPE STARCK

1. COMPLEXO-HISTÓRIA

É de Starck o interior do hotel Rosewood São Paulo, no complexo histórico onde um dia funcionou o Hospital Matarazzo. O projeto, que tem edifício assinado pelo arquiteto francês Jean Nouvel, é de 2021. “No começo, fiquei chocado. O Matarazzo estava tão fora de contexto, fora do tempo, em desacordo com a realidade… Uma paisagem de sonho, como um conto maravilhoso guardado dentro de uma redoma guardada por fadas. Esse lugar é imaterial, é a essência de São Paulo”, ressalta Starck.

Interior Rosewood Ruy Teixeira

2. ESPREMEDOR-LULA

Philippe Starck pingava limão em uma lula, em um restaurante italiano, quando teve a ideia de criar o espremedor que virou um ícone do design dos anos 1990. “Eu desenhei o Juicy Salif para a Alessi em uma toalha de mesa de papel porque estava entediado esperando por uma pizza. Foi um exercício matemático de topografia invertida aplicado a um espremedor de limão”, conta.

3. HOTEL-BOSSA-NOVA

O mar de Ipanema é para onde se voltam as varandas e a piscina do Hotel Fasano Rio de Janeiro, de 2007. Para a decoração, Starck inspirou-se na bossa-nova e no design brasileiro dos anos 1950 e 1960, com peças de nomes icônicos da nossa produção, como o carioca Sergio Rodrigues (1927-2014).

4. ESPÍRITO-IATE CLUBE

Renovado por Philippe Starck em 2020, o hotel do início do século 20, La Réserve Eden au Lac Zurich, em Zurique, na Suíça, tem vista para o lago da cidade. A reforma preservou a aura centenária da construção, valorizando os tijolos, mármores e pisos de madeira maciça originais, mas propôs nova camada imaginativa com referências ao universo náutico. “Um lugar atemporal, respeitoso e insolente, sério e louco. Um iate clube moderno imaginário à beira do lago”, define Starck.

La Reserve Eden Au Lac Gregoire Gardette

5. MÓVEL-TECNOLOGIA

Lançada em 2019 pela Kartell, a A.I. Chair chamou a atenção por ter sido criada em parceria com a empresa norte-americana de tecnologia Autodesk. A ideia era conseguir, com a ajuda da inteligência artificial, desenvolver um móvel eficiente cujo processo de fabricação usasse a menor quantidade possível de energia e de material plástico, sem perder a sustentação.

Desenho original de Philippe Starck, 2023, sobre fotografia atribuída a Albert Brichaut

6. EXPOSIÇÃO-PATAFÍSICA

Para quem estiver em Paris, França: até 27 de agosto deste ano, no tradicional museu Carnavalet, a exposição Paris Est Pataphysi que tem concepção e direção artística de Philippe Starck. A mostra aborda espaços públicos e turísticos da cidade sob o viés imaginativo e surrealista do designer.

7. PALACE-SURREALISMO

Durante três décadas, uma vez por ano, o artista Salvador Dalí (1904-1989), referência do movimento de vanguarda Surrealismo, costumava ficar hospedado no Le Meurice, localizado entre aPraça da Concórdia e o Museu do Louvre, em Paris. Em 2016, coube a Philippe Starck a renovação desse hotel palace histórico, fundado em 1835. “O projeto visa explorar mais profundamente, e de todas as formas possíveis, o universo surrealista que é a vida, a estrutura e a alma do Le Meurice”, diz Starck.

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