Ao longo dos anos, compartilhei tantas dessas aventuras que as perguntas sobre como comecei são inevitáveis. Então, como diria a minha Maria favorita: “Let’s start from the very beginning…”

Tudo começou aos 14 anos, quando uma amiga teve a ideia brilhante de comemorarmos nossos 15 anos com uma viagem para a Europa, pela primeira vez. Brilhante porque, para qualquer pessoa curiosa e consciente dos privilégios que tem, tal oportunidade não poderia ser desperdiçada. Meu pai, que carregava uma bonita nostalgia dos anos vividos em Paris, sempre me inspirou a sonhar com o mundo lá fora.

Parece que foi ontem, mas, na verdade, 21 anos separam a Maria Helena de hoje daquela adolescente que, junto com outras amigas, entrou na casa da amiga de ideia brilhante para ouvir o representante de uma agência de viagens apresentar o roteiro dos sonhos pela Europa. Pagamos pela viagem. Não me pergunte como ou por quê, mas o fato é que o sujeito desapareceu com o dinheiro. Pois é. Os detalhes dessa história se apagaram da minha memória, talvez como uma defesa natural para me proteger da frustração de não realizar a tão sonhada viagem de 15 anos com as amigas.

Vamos cair na estrada? Maria Helena Queiroz

O tempo foi passando, e a realização desse desejo foi se tornando cada vez mais difícil, pois viajar com amigas não dependia apenas de mim. Namoros adolescentes, vestibular, trabalho de férias… sempre havia algo que impedia a viagem de acontecer.

Até que, aos 17 anos, eu cansei de esperar. Já havia passado no vestibular e, apesar de estar no início do meu primeiro namoro, meu namorado da época viajaria por um mês com um amigo. De alguma forma, a viagem dele se tornou o gatilho que eu precisava. Afinal, ele estava realizando a viagem que eu tanto queria fazer.

Mas ainda assim era na rua, com a vida acontecendo. Maria Helena Queiroz

Decidi agir. A curiosidade para ver o Velho Mundo era enorme, e minha ansiedade não suportava mais esperar por companhia. Mas eu tinha 17 anos e meus pais não me deixariam ir sozinha. Foi quando a ideia veio cristalina: o que é uma excursão, senão um grupo de pessoas que não se conhecem viajando juntas?

Pesquisei e logo encontrei uma excursão que partiria em breve rumo a Madri, Toledo, Bordeaux, Vale do Loire, Paris e Londres. Essa era a minha chance. Agora só faltava convencer meus pais. Para minha sorte, fui criada para ser do mundo. Minha mãe, que havia viajado o globo como modelo, e meu pai, com sua década vivida em Paris, sempre desejaram que eu também sentisse esse apetite por desbravar. E conseguiram.

De norte a sul da Europa, um dos programas mais imperdíveis do Velho Continente é se deliciar em cada prato Maria Helena Queiroz

“Mas eu não quero dividir quarto com ninguém e quero que você me autorize a sair sozinha”, disse eu ao meu pai. Sempre apreciei meu espaço, o silêncio, minhas músicas, meus livros. Desde garota, adorava almoçar sozinha em um restaurante perto de casa. Enquanto minhas amigas detestavam a ideia, eu amava. Isso nunca significou que eu não gostasse de estar cercada de pessoas; pelo contrário, sempre fui social e comunicativa, mas também valorizo meus momentos.

Morei muito tempo no Jardim Botânico, Rio de Janeiro, e o passeio que eu mais gostava era romper as grades do meu condomínio em cima da minha bicicleta e dar voltas pelo quarteirão. Havia um limite de até onde eu poderia ir, claro, mas ainda assim era na rua, com a vida acontecendo. Eu me sentia livre e amava. Gastava os meus intervalos de estudo assim ou me empanturrando de alguma besteira enquanto assistia à minha amada beata rebelde de The Sound of Music pela centésima vez, e acho que isso por si só diz bastante sobre mim (nunca assistiu a The Sound of Music? Então por favor, pare tudo e o faça já!).

Maria Helena Queiroz

Meu pai, com seu coração mole, prontamente falou com os organizadores da excursão: um quarto só para mim e nada de inspetor me fiscalizando. Eu sairia sozinha e encontraria o grupo quando quisesse.

Memórias dos caminhos europeus

Lembro-me tão bem de desbravar Madri, de visitar o Museo del Prado, de passear pela pequenina Toledo e descobrir as pinturas de El Greco, tudo isso enquanto ouvia Corinne Bailey Rae em loop, criando uma trilha sonora para minhas aventuras que até hoje me transporta de volta àqueles momentos.

Nessa época, as pessoas já tinham celular, mas daqueles bem simples e não me lembro de levarmos conosco em viagens. Eu certamente não levei, de modo que ficava praticamente incomunicável e, por isso, de 3 em 3 dias, eu entrava em uma lan house para escrever um e-mail para amigos e família sobre as minhas aventuras e, claro, para que soubessem que eu seguia viva e portando todas as partes de mim. A alegria que dava ver um novo e-mail na caixa de entrada…

Maria Helena Queiroz

Há algo de mágico nesse suspense, na espera, na curiosidade, de se dar um tempo sem saber o que as pessoas estão vivendo e sem saberem o que você está vivendo. De sentir falta, de sentir saudade. Algo tão raro hoje.

Voltando à minha viagem, fui com um orçamento justo, mas suficiente para uma bela experiência. Fiz todos os passeios clássicos de um turista de primeira viagem à Europa e ainda tomei suco de laranja prensado na hora quase todos os dias, um luxo que minhas novas amigas da excursão achavam engraçado, “Monsieur, s’il vous plaît, jus d’orange pressé pour moi! Mais pressé!” disse eu em 10 de 10 cafés charmosos que entrei em Paris.

Cair na estrada está entre os meu programas preferidos em uma viagem Maria Helena Queiroz

A viagem começou por Madrid e, de lá, todos os traslados subsequentes foram de ônibus. Em Bordeaux, caí em um hotel temático e o meu quarto era inspirado no filme “O Iluminado”, com direito à foto das gêmeas no velocípede, o que eu achei bem dispensável e talvez o único momento em que me arrependi de querer dormir sozinha. Em Paris, meu primeiro passeio foi à noite, e me emocionei ao ver a Torre Eiffel iluminada pela primeira vez. Tudo ao meu redor era tão bonito que eu entendi perfeitamente o que meu pai sempre dizia.

Fiz três amigas durante a viagem: Cristina e Ana Vitória, mãe e filha, uma senhora toda arrumadinha com colar de pérolas e sua neta, com estilo bem distinto, sempre de preto e com blusas de bandas de rock, infelizmente não me recordo o nome delas. Quando estávamos juntas, formávamos um grupo eclético e interessante! Sou amiga de Ana Vitória até hoje e, sempre que vou ao Sul do Brasil, visito-a.

Essa viagem foi transformadora. Despertou em mim um senso de independência profundo, a certeza de que não preciso esperar por ninguém para correr atrás dos meus desejos, uma verdadeira jornada de autodescoberta que, por muitas vezes, ecoaria aquela ideia de Carl Jung de que a individuação, ou seja, o processo de se tornar aquilo que estamos destinados a ser, é a chave para nos tornarmos completos. Ele dizia que “quem olha para fora, sonha; quem olha para dentro, desperta”.

A melhor parte de viajar sozinha, é que, na verdade, você nunca fica sozinha. Maria Helena Queiroz

O mundo solo

Desde então, foram inúmeras as viagens solo: Nova York, São Francisco, País Basco, Londres, Lisboa, Paris, Cartagena, Austin, Marfa, Palermo… Viagens para me inspirar, descansar, para fazer festa, mergulhar em história, em pratos deliciosos, ver arte ao ar livre e, acima de tudo, para descobrir tudo o que o mundo tem a oferecer.

As pessoas frequentemente me perguntam se prefiro viajar sozinha. A verdade é que viajar sozinha não é melhor nem pior do que viajar acompanhada; é apenas uma experiência diferente. Quando você está sozinho, se torna mais vulnerável, mais aberto, e o universo percebe isso. Já disse Virginia Woolf, a independência, tanto física quanto mental, é essencial para a realização pessoal. Viajar sozinha é, para mim, essa manifestação de liberdade e independência, onde posso explorar minhas paixões sem a necessidade de ajustar meu caminho ao de outros. Jantar sozinha, por exemplo, muitas vezes encoraja um estranho a se aproximar e iniciar uma conversa, algo que dificilmente aconteceria se você estivesse acompanhada. E sim, você perceberá olhares curiosos enquanto janta sozinha, olhares que tentam desvendar o porquê de você estar sozinha, qual será o “problema” que você está enfrentando, questionamentos que dizem respeito apenas aos curiosos.

Viajar sozinha oferece uma liberdade inigualável para planejar o dia de acordo com suas vontades, para fazer as coisas no seu tempo e para revisitar quantas vezes quiser aquele restaurante que você amou. Viajar sozinha te abre portas que, em uma viagem acompanhada, talvez ficassem fechadas. E vice-versa! Por isso, acredito que todo mundo deveria, de tempos em tempos, se permitir essa experiência, especialmente aqueles que se sentem desconfortáveis com a ideia. É uma oportunidade de se conhecer melhor, de aprender a ficar confortável consigo mesmo, uma jornada de coragem. Afinal, “a coragem não é a ausência de medo, mas a capacidade de agir apesar do medo”, já disse Rollo May.

Se eu senti medo em algum momento? Claro, e como mulher sempre me senti mais segura e privilegiei lugares onde mulheres são bem-vindas e respeitadas.

Dormir em glampings no meio do deserto é a certeza de um céu deslumbrante pela noite Maria Helena Queiroz

O processo de se tornar aquilo que estamos destinados a ser, é a chave para nos tornarmos completos. "Quem olha para fora, sonha; quem olha para dentro, desperta".

Se já passei por perrengues? Sim, e aprendi com eles. Como a vez em São Francisco, quando cismei que estava sendo seguida e a descarga de estresse desencadeou uma crise de enxaqueca. Sem meus remédios, passei dois dias no escuro do quarto do hotel. Nunca mais viajei sem eles.

Se algo saiu diferente do planejado? Amo dirigir e, uma vez, me dei de presente uma viagem de Porsche conversível pela Espanha. Mas esqueci que o porta-malas de um 911 é pequeno e tive que “içar” uma mala pesadíssima com maestria para não encostar na pintura do carro. A mala viajou no banco de trás durante toda a viagem. Se for como a mamãe dela, deve ter adorado a brisa e a liberdade.

Se já me senti sozinha? Em Marfa, uma cidade no meio do deserto do West Texas que sempre esteve na minha lista de desejos, me hospedei em um glamping sob um céu deslumbrante e apreciei muito, mas, em uma noite, vi duas amigas bebendo vinho sob as estrelas e desejei compartilhar aquela beleza com alguém. Paciência, não tinha, mas melhor ver sozinha do que não ver at all. Hoje, morro de vontade de voltar a Marfa com meu namorado, que é a melhor companhia e sabe apreciar esses momentos.

Para aqueles que estão pensando em se desafiar e viajar sozinhos, mas ainda têm receios, meu conselho é simples: abrace essa oportunidade como um ato de autodescoberta. O medo e a ansiedade são naturais, mas, ao enfrentá-los, você descobrirá não só novos lugares, mas também novas facetas de si mesmo. Viajar sozinho é um convite para explorar o mundo no seu ritmo, seguindo suas próprias vontades, e aprender a estar confortável consigo mesmo. O mais importante não é superar o medo, mas permitir-se viver experiências que você jamais teria se esperasse por companhia. Afinal, o mundo está aí para ser explorado, e você não precisa de mais ninguém para começar essa jornada.

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