Curadora adjunta da 13º Bienal do Mercosul e membro do comitê do Soho House, Carollina Lauriano tem muitos méritos. É uma curadora reconhecida pela pesquisa profunda, independente e com muita potência. Mas o maior deles é o de “implodir com as bolhas”. 

Ela vem de um contexto distante dos endereços tradicionais onde se concentram as galerias renomadas de São Paulo. Não é da bolha artsy. Ao contrário, ela é um retrato do Brasil, especialmente do estrato social das pessoas que habitam as periferias das grandes metrópoles e se formam em escolas públicas. 

Se décadas atrás era improvável ver alguém com esse perfil transitando com tanta desenvoltura nas altas rodas artísticas, agora o mercado de arte está ávido por quem tem essa vivência e sensibilidade –e que tem o país nas veias, com seu caldo de cultura riquíssimo e diverso. Esse é o grande campo fértil da produção artística atualmente –e o que torna Carol uma profissional tão requisitada.  

Nessa conversa com a The Traveller, ela fala sobre o contexto da cena artística contemporânea – e como a sua própria história de vida se relaciona com o novo momento do mercado de arte. 

Carollina Lauriano/Divulgação

Como você enxerga o momento artístico que o Brasil vive hoje?  

O Brasil é um país continental. São vários Brasis dentro do Brasil. É isso que está se revelando com mais força no mercado de arte. Estamos em um país que vive noções coloniais, o país que mais recebeu escravos negros. Não dá para não falar disso, é insustentável. Vejo que houve um movimento de insurreição de artistas dizendo “a gente existe, a nossa arte precisa estar nos espaços e isso precisa ser financiado por alguém.” 

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Quando eu cheguei, tinha conhecimento praticamente só de homens na curadoria. Estamos falando de um espaço de poder, de uma bolha, branca, de elite, que reproduz padrões coloniais. Eu entrei nessa bolha para implodir com ela.   

O que guia o seu trabalho de curadoria é trazer à tona esse Brasil complexo que passava à margem do mercado de arte?   

Quando penso a minha prática curatorial, tenho que pensar proporcionalidade, senão continuamos falando de um eixo econômico Rio – São Paulo. E o Brasil está bem distante de ser isso. É preciso entender o que nos une, mas também as nossas diferenças. Quando eu cheguei, tinha conhecimento praticamente só de homens na curadoria. Estamos falando de um espaço de poder, de uma bolha, branca, de elite, que reproduz padrões coloniais. Eu entrei nessa bolha para implodir com ela.   

A que você atribui essa mudança de chave que levou ao interesse maior por esse tipo de arte que rompe padrões coloniais?

Existem fatores políticos e históricos. Em 2016, por exemplo, vimos um momento de muita efervescência na política, havia muitas manifestações. Em 2019, fiz uma exposição que reuniu 19 mulheres não brancas, compreendendo pretas, asiáticas e indígenas em uma galeria comercial. Foi em um momento em que essas discussões estavam decolando porque o mundo estava com uma ideia de ter uma compreensão maior [dos fenômenos sociais]. Algo descortinou. A ideia de gênero evoluiu, a internet acelerou o debate, o mercado começou a entender a necessidade de preencher lacunas.  

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De que forma essa arte brasileira contemporânea que ganha força nos ajuda a rever ou recriar a identidade de Brasil?   

O Brasil cresceu com uma ideia colonizada, eurocentrada, e a arte brasileira começa fundamentada nesse conceito. Havia um olhar estrangeiro sobre o Brasil que não captava a sua dimensão. Tudo que não tinha um código de arte acadêmica ou eurocentrada era considerado baixa cultura. Mas a partir de qual ponto de vista? Essa é a base da colonização, a ideia de supremacia, de que o outro é inferior. Eu gosto de cutucar isso. Sempre falei que a arte não é passiva, ela exige da gente. E trazer discussões como essas é muito importante.   

Carollina Lauriano/Divulgação

E como foi esse seu movimento de “implodir as bolhas”?

Minha vida pessoal é muito sobre isso. Venho de um contexto familiar de periferia, entre Osasco e Barueri, com uma mãe solo trabalhando em três lugares para criar dois filhos. Desde pequena, a literatura era para mim um lugar de me tirar da dureza da vida.

Eu sempre me entendi criativa. Fiz jornalismo porque vi uma oportunidade de inserção no mercado. No meu primeiro emprego em agência de comunicação, caí no segmento de luxo, atendendo uma marca de carros. Era o oposto da minha vida. Pegava trem, metrô ônibus para chegar lá e lidar com um universo totalmente outro. E mais tarde isso foi muito importante em minha carreira porque fez eu me apropriar dos códigos do luxo.

Com 32 anos, arrisquei uma mudança de vida. Por gostar de arte, já estava inserida nesse meio e fui chamada a participar de um estudo focado em gênero. E aí começaram a achar que eu tinha talento para curadoria. Em meu trabalho curatorial, fui colocando outras camadas, como a questão social e outras assimetrias. Foi o momento em que o mercado começou a entender a necessidade de preencher lacunas. Eu me sentei com os big players, todos interessados em minha pesquisa. Então eu entrei nessa bolha para implodir com ela. Eu sabia como sentar à mesa, sabia como falar e sabia o que as pessoas queriam ouvir. E comecei a me valer disso para colocar questões que até então eram negligenciadas.  

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