Final de tarde. That Luang, uma estupa de 45 metros de altura, reina soberana envolta por meia tonelada de folhas de ouro e uma luz especial de começo de novembro. Além de símbolo nacional, é o monumento religioso mais importante do Laos, pois acredita-se abrigar fragmentos de ossos de Buda.
Ali perto, sob uma imensa tenda enfeitada com as cores da bandeira do país, belíssimas meninas e mulheres vestidas de misses e com trajes tradicionais de diferentes etnias dão as boas-vindas a quem chega. “Sabaidii!”, saúdam-me com as mãos unidas na frente e um sorriso no rosto. Todas impecavelmente produzidas para receber o então primeiro-ministro do país Phankham Viphavanh, líderes governamentais, funcionários do alto escalão, representantes de embaixadas estrangeiras e organizações não governamentais.
Sem querer, lá estava eu entre os convidados, na festa de abertura do Boun Pha That Luang, o festival mais significativo da capital Vientiane e de todo o Laos. Ele acontece normalmente em novembro (algumas vezes no final de outubro) e dura de três a sete dias durante a lua cheia. Quando o sol se põe, devotos não param de chegar e caminham três vezes ao redor da estupa no sentido horário. Carregam arranjos de cravos amarelos, velas, incensos e entoam antigas palavras religiosas.
Patrimônio imaterial
Num país onde mais da metade da população pratica o budismo, uma viagem ao Laos satisfaz a busca por calma e serenidade. Em Vientiane, o ritmo é lento e a atmosfera, tranquila. Com cerca de 720 mil habitantes, é a segunda menor capital do sudeste asiático. O período colonial francês, que durou de 1893 a 1954, deixou suas marcas em belos casarões que convivem em harmonia com construções modernas e templos históricos.
Patuxai, ou Portão do Triunfo, no começo da larga avenida Lane Xang, semelhante ao Arco do Trinfo, de Paris, foi construído para homenagear os combatentes que lutaram pela independência da França. As montanhas e planaltos cobrem mais de 70% do país – o suficiente para desfrutar de inúmeras atividades ao ar livre. Van Vieng, a quatro horas ao norte de Vientiane, é destino certo para quem procura turismo de aventura, como o “tubing” (travessia pelo rio flutuando numa câmara de pneu) e passeios de caiaque pelo Rio Nam Song. E nada como terminar o dia em um dos inúmeros bares às suas margens brindando com a Beer Lao, a popular cerveja local.
Mas é na confluência dos rios Nam Khan e Mekong, principal artéria do país, que está o coração do Laos: Luang Prabang.
Classificada como Patrimônio Mundial da Unesco, essa antiga capital real encanta a alma e os sentidos com seus templos e restaurantes requintados, boutiques, mercados movimentados e, especialmente, a fusão do estilo oriental tradicional com o europeu colonial nos inúmeros edifícios construídos durante a ocupação francesa. Quando o sol se põe, o monte Phou Si, uma colina de 100 metros que se eleva no centro da cidade, é o lugar mais disputado. Proporciona uma vista deslumbrante para acalmar o espírito e contemplar os picos das dezenas de templos e monastérios budistas que cintilam pela cidade. Wat Xieng Thong é um dos mais bonitos e faz jus a seu significado: “Templo da Cidade Dourada”.
Busca interior
Todo dia, antes do amanhecer, os habitantes de Luang Prabang acordam para se preparar para o “Tak Bat”. À medida que o sol nasce, ocupam seus lugares nas calçadas e aguardam uma procissão que se inicia ao som de um gongo. Centenas de monges e noviços caminham enfileirados, descalços e em silêncio, vestidos com seus mantos cor de açafrão e carregando uma cuia para recolher as oferendas. Nesse ritual, os monges demonstram seu voto de pobreza e humildade; para os devotos, esse ato de generosidade é uma forma de purificação da alma por meio da redenção espiritual.
Além de oferecer uma variedade de atrações, Luang Prabang serve como base para explorar outras maravilhas da região: das famosas cascatas de água azul-turquesa de Kuang Si (e suas piscinas refrescantes) às cavernas Pak Ou – que abrigam milhares de estátuas de Buda –, passando pelas aldeias de minorias étnicas como Hmong e Khamu, cada uma com seu artesanato próprio. Ban Xang Khong, Ban Phanom e Ban Xieng Lek, por exemplo, são especializadas na tecelagem em seda e na confecção de papel; já em Ban Xang Hai, ou Vila do Whisky, produz-se o famoso destilado local: o Lao-Lao.
Muito distante de tudo
Mas eu queria ir além, conhecer o Laos do meu imaginário, das páginas da National Geographic. Rumo então ao extremo norte, para a província de Phongsaly, lar de 28 grupos étnicos diferentes e vários outros subgrupos. Depois de uma hora e meia de trem até Muang Xai, mais três horas e meia espremida numa van serpenteando por uma estrada cercada de montanhas, chego a Ban Boun Tai, já escurecida. Entro em desespero ao não conseguir me comunicar com ninguém em inglês. Por um momento penso ter desembarcado na China, de tão perto que estava desse país. A apenas 60 quilômetros da fronteira, essa pequena cidade de cerca de 27 mil habitantes, que já foi um posto militar francês, é hoje dominada por trabalhadores chineses.
Durante os dois anos de pandemia as trilhas nesse rincão ficaram fechadas, e eu era um dos primeiros estrangeiros a voltar a desbravar esse lugar tão remoto.
Partindo do pequeno vilarejo de Moucheenampock, atravesso caminhos estreitos e íngremes, riachos sem pontes e uma natureza intacta, às vezes dilacerada pelo facão de Adone, meu guia, para que pudéssemos passar. À medida que subimos para os pontos mais altos surgem pequenas aldeias escondidas, habitadas pelo povo Akha.
Chegamos às 17h30 a Japaewluang depois de seis horas e meia de uma árdua caminhada. Quem nos hospeda é a família de Thongphet, de 36 anos, o chefe da aldeia. A casa é de madeira, sem divisórias; não há água encanada nem eletricidade, como todas as construções ali. Cozinha, sala, quarto e imensos sacos de grãos dividem o mesmo espaço. Por sorte, tem banheiro, mesmo que do lado de fora. Privilégio de apenas três famílias no vilarejo. À noite, uma lanterna na testa é acessório indispensável, como se fosse um terceiro olho para enxergarmos na escuridão.
Na manhã seguinte, seguimos em direção a Ban Mokkokluang, da tribo Akha Loma. No caminho, nascentes, planaltos, campos de arroz e paisagens de tirar o fôlego. Em Mokkoknoy, onde pernoitamos, fomos recebidos com uma tradicional massagem de boas-vindas. O terceiro e último dia foi o mais tranquilo. Percorremos algumas áreas planas, passando por plantações de café e de arroz, até chegarmos a Ban Namly, onde o “grand finale” foi celebrado com uma chuva torrencial. Em cada vilarejo fomos recebidos e hospedados pelos seus chefes, com conversas regadas a chá ou Lao-Lao. E, mesmo sem falar a mesma língua, conseguimos nos entender. Explorar as colinas do norte foi como voltar no tempo.
Ali o Laos continua a ser o país da solidão, longe das rotas turísticas e das exigências da vida moderna. Os nativos vivem da mesma forma que seus ancestrais de séculos atrás. Praticam a agricultura de subsistência, pegam água do poço ou nascente, constroem pequenas fogueiras para se aquecer e cozinhar e fazem suas necessidades ao ar livre. Embora muitos já usem roupas ocidentais, há mulheres que ainda mantêm seus trajes tradicionais. São elas os motores dessas aldeias. Volto ilesa e enriquecida, com o desafio cumprido, experiências únicas vívidas e convicta de que quem reina mesmo no Laos é seu povo.
TERESA PEREZ INDICA
Reserve com a Teresa PerezOnde Ficar
Amantaka
A arquitetura colonial e a decoração minimalista com sutis elementos locais conduzem ao desejo de paz interior e conforto. A ampla área ajardinada do resort também é ideal para meditação. O Amantaka dispõe de visitas guiadas aos templos milenares de Luang Prabang.