Poucos segmentos refletem tão bem a intersecção entre cultura, inovação e indústria quanto o da moda. Desde os primeiros teares mecânicos da Revolução Industrial até os algoritmos que hoje personalizam e induzem nossas experiências de consumo, a tecnologia e a moda andam lado a lado. Hoje, essa simbiose está mais visível e imersiva.

A Shanghai Fashion Week apresentou em março um dos momentos mais marcantes desse novo capítulo: no desfile da NMTG, modelos humanos e máquinas compartilharam a passarela. No final da apresentação, um cão robótico e o robô humanoide G1, da Unitree Robotics, entraram em cena e interagiram com a modelo, recebendo dela um colar símbolo de esperança e harmonia. “Eu queria explorar a simbiose entre natureza, humanidade e tecnologia”, explicou a diretora criativa da NMTG, Xu Shangxi.

Semanas antes, em Milão, a robô humanoide Ameca, do laboratório inglês Engineered Arts, chamou a atenção no desfile de Giuseppe Morabito ao ler um texto e interagir com plateia e modelo. O estilista, que já vestiu famosas como Lady Gaga e Dua Lipa, disse: “A ideia de fazer um desfile tradicional não passou pela minha cabeça”.

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Em Paris, a Coperni — conhecida por suas experimentações tecnológicas —, que em 2023 colocou na passarela os robôs caninos da Boston Dynamic, fez para o outono 2025 um desfile inspirado no universo gamer: modelos carregavam uma versão do clássico jogo Tamagotchi dentro de uma minibolsa da marca. A locação do desfile? Uma lan house.

Também na Paris Fashion Week, a marca japonesa Anrealage mostrou roupas pretas que serviram como telas dinâmicas, exibindo mensagens que mudavam conforme o humor do usuário. “As roupas — como a própria vida — nunca param de evoluir; não há uma forma final”, disse Kunihiko Morinaga, o mais tech entre os estilistas, que em 2018 apresentou suas coleções no Japan House de São Paulo.

Saindo da passarela para o dia a dia, a moda tecnológica se manifesta nos acessórios inteligentes. O Ray-Ban Meta, óculos equipados com inteligência artificial, é um dos itens mais cobiçados da temporada. Além de gravar vídeos sem usar o celular, ele permite acessar assistentes virtuais com comandos de voz — companheiro útil para viajantes e criadores de conteúdo.

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Na produção a tecnologia já é realidade: a impressão 3D é, atualmente, uma ferramenta essencial na alta moda. A Dior, por exemplo, usou impressoras 3D para criar os sapatos da coleção de alta-costura Primavera-Verão 2024. A estilista holandesa Iris van Herpen, pioneira no uso da tecnologia, continua a surpreender com vestidos esculturais que desafiam os limites do possível, misturando, a cada estação, materiais impressos em 3D aliado a técnicas artesanais.

A impressão 3D na moda também é importante quando o tema é sustentabilidade. Empresas utilizam a tecnologia para diminuir o desperdício de material e criar peças sob demanda. Assim, é possível evitar estoques excessivos e otimizar o consumo de recursos. Pesquisadores da Universidade de Columbia desenvolveram um tecido impresso em 3D capaz de se adaptar à temperatura do corpo, proporcionando conforto térmico e reduzindo a necessidade de múltiplas camadas de roupa.

Por falar em tecidos, os inteligentes são uma das inovações mais fascinantes do momento, sendo fundamentais para a saúde e a performance esportiva.

Anos atrás, a britânica Vollebak, por exemplo, lançou um casaco feito de grafeno, material ultraleve e altamente condutor que pode regular a temperatura corporal. Um projeto revolucionário é o Google Jacquard. Em parceria com a Levi’s, o Google criou jaquetas com sensores embutidos, o que permite controlar smartphones com toques na manga.

Os tecidos que captam energia solar para alimentar pequenos dispositivos eletrônicos, desenvolvidos por cientistas do MIT, são uma invenção de necessidade urgente. Com abundância de sol, principalmente em países como o Brasil, esses avanços ampliam as funcionalidades das
roupas e abrem caminho para um guarda-roupa realmente moderno e autossuficiente.

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Jo Malone
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A bioinovação na produção de matéria-prima minimiza o impacto ambiental da moda. Na última década, inúmeras empresas passaram a desenvolver tecidos cultivados em laboratório, como o Mylo, um couro vegano feito de micélio de cogumelos, utilizado por Stella McCartney e Adidas. A fibra de laranja, que transforma resíduos da indústria alimentícia em seda, foi adotada pela Salvatore Ferragamo.

Além dos materiais sustentáveis, a tecnologia facilita o crescimento do mercado de moda circular. Aplicativos como ThredUp e Vestiaire Collective, que utilizam inteligência artificial para conectar compradores e vendedores de roupas de segunda mão, impulsionam o reúso. A expectativa é de que o mercado de revenda cresça 11% neste ano, fortalecendo esse pilar essencial do consumo consciente. Afinal, a roupa mais sustentável é a que já está pronta.

Se há alguns anos a relação entre moda e tecnologia ainda era vista como experimento, agora é necessidade. De robôs em desfiles a impressão 3D, tecidos inteligentes e bioinovação, a tecnologia é a nova espinha dorsal da moda. ––——

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