Impossível não ser tomada de curiosidade ao pensar no Butão. Conhecido como o “Reino da Felicidade”, o país é dono de uma cultura milenar e preserva muito bem suas tradições.

Pelo fato de o Butão ser tão distante e ainda afastado, localizado entre os Hymalaias, o Tibet, a Índia e a Indochina, a mística em relação ao país faz parte de um imaginário comum que, até certo ponto, se confirma no dia a dia.

Em Druk Yul, a língua oficial do país, Butão significa “a Terra do Dragão do Trovão”: o animal mítico que também aparece na bandeira da nação. É uma representação de força das divindades e de proteção às “joias” do Butão, que estão representadas em suas quatro garras.

As pontes butanesas sempre coloridas com as prayer flags Acervo Melissa Fernandes

Para chegar ao Reino, o jeito mais fácil voando via Bangkok, com escala em Doha. Se houver tempo, vale a pena esticar algu-mas noites na pulsante capital tailandesa,que sempre tem boas novidades. De Bangok, um voo de 2h30 leva a Paro, onde ficao único aeroporto internacional do Butãoe um dos lugares mais fascinantes que jávisitei: o Tiger Nest. Como Paro foi a cidadeda minha chegada, mas a última que ver-dadeiramente visitei, vou deixar o melhorpara o final e contar sobre o espetacularTiger Nest mais adiante. O que é essencial saber antes de pousar é que vale a penasentar-se no lado esquerdo do avião para ter o monte Monte Everest sempre à vista. Um excelente cartão de visitas referente à exuberância de natureza que aparecerá nos próximos dias.

NOVA CAPITAL,COSTUMES ANTIGOS EM THIMPHU: ONDE TUDO COMEÇA

O Butão é uma joia entre as montanhas – e Thimphu, minha primeira parada, não poderia ser diferente. Localizada a mais de 3 mil metros de altitude, a cidade se tornou capital em 1955, herdando o título de Paro. Por também ser a maior cidade do país, caminhar por suas ruas é realizar uma imersão nos costumes butaneses. Na capital estão o Museu Nacional e o Museu Têxtil,ambos obrigatórios. O segundo abriga coleções de rou-pas da família real desde 1907 e mostra um pouco doprocesso de confecção por trás das tradicionais kiras, vestimenta típica das mulheres, e dogho, queé a roupa masculina. Algumas dessas peçaspodem levar até oito meses para ficarem pron-tas. É um trabalho manual incrível e muito bem retratado no museu. É também em Timphu que fica um dos monumentos mais majestosos do país: o Buda Dordenma, uma estátua douradade 54 metros de altura localizada no topo da montanha de Kunzangphodrang.

Buda Dordenma,: 54 metros cobertos por ouro Acervo Melissa Fernandes

Para chegar até lá, percorri uma das trilhas mais deslumbrantes do país, generosa em paisagens e repleta de prayer flags, aquelas bandeirinhas coloridas que carregam rezas budistas. No meioda caminhada, paramos para um piquenique e logo depois seguimos para o ponto final, a famosa estátua de Buda. Para completar as boas inspirações, ainda fui agraciada com cerimônias e rituais típicos do país. Todos os hotéis da rede Aman costumam organizar exibiçõesculturais para seus hóspedes, mesmo fora das épocas de cerimônias típicas. Além dos jantares acompanhados por danças e manifestações culturais tradicionais, participei de leituras astrológicas realizadas por monges budistas e atéde momentos de bênção e meditação.

CORAÇÃO PURO E MÃOS LIMPAS

A religião oficial do Reino da Felicidade é o budismo. Templos, monges, mosteiros e exaltaçõesa Buda estão sempre inseridos nas paisagensnaturais e urbanas do país. Há algo de genuínona forma pela qual as pessoas se tratam, evidenciando um lado extremamente gentil, sorri-dente e atencioso. É uma cultura de muito respeito e muitas tradições. Falando com os locais aprendi que o budismo praticado no país possui cerca de 84 mil ensinamentos. Um deles, porém,pode ser considerado como um resumo perfeito da essência budista: independentemente da religião praticada por cada um, o que importa, no fim, é ter o “coração puro e as mãos limpas”. A gentileza com que as pessoas nos recebem é algo que chega a ser comovente. Os sorrisos dos butaneses fazem com que as sensações de acolhimento e conforto sejam ainda mais naturais.

Para tornar-se um monge é preciso começar cedo a praticar os preceitos da religião Acervo Melissa Fernandes
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MUITO VERDE EM PUNAKHA: MINHA SEGUNDA PARADA

Outra característica religiosa marcante no Butão são as exaltações ao falo que se espalham pelo país. A genital masculina é considerada símbolo sagrado de fertilidade e por isso há diversos monumentos, templos e rituais totalmente dedicados a ela. É o caso do mosteiro Chimi Lhakhang – o Templo do Divino Louco –, que recebe casais de diversas partes do mundo interessados em bênçãos focadas na fertilidadee na prosperidade futura. O templo foi abençoado por uma das figuras mais interessantesdo país: Drukpa Kuenley – também conhecidocomo o “Santo das 5 mil mulheres” –, um lama anárquico que proferiu seus ensinamentos budistas a partir de preceitos sexuais duranteseus 115 anos de vida. Apesar de ter um estilode vida boêmio e quase nada parecido com o dos monges, ele é uma das figuras mais adoradas do país. Foi exatamente nesse templo quepresenciei um dos rituais mais sublimes do Butão, uma cerimônia de purificação inesquecívele completamente diferente de outras manifestações religiosas das quais já tive a satisfaçãode participar.

O arco e flecha é o futebol para os butaneses Acervo Melissa Fernandes

Segui vários desses monges assim que voltaram para alguns dos muitos monastérios da cidade, logo depois de receberem a oferenda. Sempre em silêncio, eles retomaram seus afazeres do dia. Um varreu a entrada do templo, outros dois deixaram seus trajes sujos em baldes de água. Poucos minutos depois, todos se reuniram numa mesa baixa, dessas em que se senta de pernas cruzadas no chão, e passaram a entoar em coro um belo e suave mantra.

Era hora de comer – algo que só podem fazer, religiosamente, até o meio-dia, quando se inicia o jejum até o outro encontro com as senhoras de Luang Prabang na madrugada seguinte. Para os viajantes, a hora de desjejum é uma experiência opostamente cosmopolita. Em meio a templos budistas incríveis, lojas de design e galerias de arte, merca dos de rua vibrantes e cachoeiras de águas azuladas nas florestas ao lado do imponente Rio Mekong, Luang Prabang surpreende com seus bistrôs, que mesclam a gastronomia francesa com a asiática.

MUITO VERDE EM PUNAKHA: MINHA SEGUNDA PARADA

A menor das três cidades que visitei, Punakha tem uma atmosfera mais bucólica e interiorana em comparação às outras. Também por isso, ela é a região com maior riqueza natural e programas ao ar livre. As paisagens por lá são belíssimas, principalmente a visão constante que temos dos diversos campos de arroz que se espalham pela região. Foi em um desses caminhos que me deparei com uma manifestação cultural das mais icônicas do país. Em uma fazenda na beira da estrada, um grupo de pessoas praticava o esporte número 1 do Butão: arco e flecha, uma paixão nacional.

E como é de costume, cada vez que alguém acerta o alvo, o grupo inteiro dança junto. Uma coreografia típica que é uma mistura de comemoração com tradição esportiva no país. O mais interessante era ver isso acontecendo na mais diversas ocasiões e em variados cenários, uma vez que o tiro com arco é praticado nas cidades, no campo e onde quer que seja possível posicionar um alvo e afiar bem a pontaria.

O mítico Tiger Nest Amankora Resorts

Atividades não faltam em Punakha, e foi no meu segundo dia que embarquei em um programa que é a mistura perfeita de natureza com espiritualidade. Depois de uma trilha de cerca de 45 minutos chega-se ao Khamsum Yulley Namgyal Chorten, um templo com uma vista lindíssima de um dos rios que serpenteia pelas montanhas da região. Logo após a visita ao templo, mergulhamos na natureza fazendo uma descida de rafting em um dos rios dali. Como a época de chuva tinha acabado de passar, os rios estavam cheios e o verde era ainda mais vivo. Com paisagens deslumbrantes, é o programa perfeito para toda sas idades e perfis, pois há um rio mais tranquilo (chamado de feminino) e outro um pouco mais radical (conhecido como “masculino”). Não importa o nível de experiência: navegar pelos rios do país é algo que precisa estar na listados viajantes. Interessante destacar que a hospedagem é sempre um complemento sedutor na experiência deviagem. Voltando para o hotel, aproveitei para conhecer um dos pontos altos do Amankora, onde me hospedei: a piscina com vista lindíssima para as montanhas. Vale passar um dia extra em Punakha para aproveitar o hotel esuas excelentes massagens.

Outro programa que não pode faltar nessa região é a visita ao Dzong de Punakha, fortaleza finalizada em 1637 para proteger o Reino do Butão. Considerada uma das construções mais belas do país, a edificação possui incontáveis salas, pinturas, monumentos,uma ponte interna charmosíssima e muita arte decorando janelas e pátios. Alguns aposentos costumavam servir para a cerimônia de coroação dos reis do Butão e preservam intactos elementos seculares.

DE VOLTA A PARO: MINHA TERCEIRA PARADA

Retornar a Paro após dias de descobertas e diversassurpresas nas outras cidades foi algo, por si só, revigorante. Mas a antiga capital do país ainda me reservava mais emoções. A primeira delas veio em forma da mais autêntica experiência gastronômica butanesa: um almoço servido no chão – como é costume no país – em uma casa de família. No cardápio, muito arroz, legumes,carne, batata e chili. Uma comida caseira espetacular e que foi acompanhada de excelentes cervejas locais e de bons rótulos de vinho. Adiciona-se a isso a gentileza de sempredos butaneses e aí está a receita de uma das refeições mais gostosas e especiais de toda a minha jornada.

A última foto antes do templo Acervo Melissa Fernandes

O MISTICISMO E A BELEZA MISTERIOSA DO TIGER NEST

O principal cartão-postal do Butão chama-se Taktsang Goemba. Para os ocidentais, o Ninho do Tigre. O templo foi construído em 1692, em uma caverna onde o Guru Padmasambhava teria meditado por volta dos anos 800. Reza a lenda que ele, também conhecido como Guru Rinpoche, um dos mais famosos e importantes da história do país, teria saído do Singye Dzong, localizada amais de 100 quilômetros do Tiger’s Nest, e voado até o topo da montanha nos lombos de uma fabulosa tigresa. Após meditar na caverna que toma o topo da colina, ele teria trazido o Budismo para o Butão. Foi ali, portanto, que o budismo, religião mais praticada no local, deu seus primeiros passos no país.

A jornada leva em torno de cinco horas, considerandoida e volta. O caminho é longo, com alguns momentos demaior dificuldade, no entanto existe um ótimo café nomeio do caminho – uma excelente parada para recuperar o ânimo e se preparar para os próximos passos. Quem quiser, também pode fazer parte do percurso a cavalo. A paisagem é maravilhosa. Vale parar para observar a natureza quantas vezes forem necessárias. E como muito bem disse o nosso guia:o importante não é chegar rápido, mas contemplar as paisagens e sentir-se bem durante a andança. Muitos choram de cansaço e alegria. Outros recuperam o fôlego acada etapa e muitos gritam de felicidade. Cada passo é marcante e inesquecível.

O Reino da Paz e da serenidade Amankora Paro Lodge

Ao chegar ao topo, uma mistura de sentimentos toma nosso corpo. Acredito que nenhuma palavra possa descrever o que é estar ali. O visitante vai fechar os olhos e se teletransportar para esse lugar durante o resto da vida. Cada vez que faço isso e me lembro do que vi, sinto umaemoção nova. Acima de tudo, eu diria que é uma conexão consigo mesmo. Como as fotos são proibidas, explicar oque é estar lá em cima é realmente só para quem vive essa experiência, para quem já esteve lá.

Essa jornada no Butão foi algo especial, distinto e raro, uma energia que poucas vezes senti na vida. Durante todaa viagem, a atmosfera de paz e serenidade esteve presente. É um país que mexe conosco e que nos deixa, de alguma forma, mais sensíveis e abertos – como todas as viagens com significado devem nos fazer sentir ao seu final.

CAMINHOS DA HOSPITALIDADE

Trabalho há anos com hotelaria e hospitalidade. É algo emque presto atenção a cada viagem que faço, em cada lugara que vou. Chegar e acordar todos os dias nos hotéis é uma experiência à parte. Diariamente, junto com algum mimo ou presente, a equipe dos hotéis Aman nos quais me hospedei deixava a explicação do que eu iria fazer nos próximos dias: desde os templos que iria visitar, passando pelos restaurantes, pelas comidas que eu iria provar, até algumas dicas depreparação para os programas que viriam

Os guias escolhidos pela rede também fizeram total diferença para que a minha experiência no país fosse ainda mais significativa. Para resumir o cuidado e a atenção com que fui tratada, aqui cabe uma última história: sou mãe do Bernardo, um menino apaixonado por futebol que me fez um pedido quando saí do Brasil – trazer uma camisa de algumtime butânes para ele. Nos primeiros dias, perguntei ao meu guia onde poderia encontrar a lembrança por lá, apesar de já saber que o futebol não é um esporte nada tradicional no Reino. No último dia, quando estava prestes a retornar ao Brasil,não só eu, mas todos os pais que estavam viajando comigo e demonstraram o mesmo interesse pelas camisas de futebol, recebemos uma série de uniformes oficiais de alguns dos maiores clubes butaneses. Cada guia foi atrás do presente e comprou as camisas por conta própria. Um exemplo de cuidado e dedicação que poucas vezes vi igual.

Amankora Bumthang Lodge

A rede Aman foi pioneira na hotelaria de alto padrão no Butão, com cinco unidades espalhadas pelas principais regiões do país – em Punahka, Timphu, Paro, Gangtey e Bumthang –, e pude me hospedar em três delas, nas três primeirase maiores cidades. Em Paro, a rede Aman é a única a contar com uma base aos pés do TigerNest, uma garantia de conforto e segurança. Ao descermos do monastério, por exemplo, fomos surpreendidos com um almoço em uma mesa maravilhosa esperando por nós. Mais uma surpresa, entre as várias que a rede preparou para mim nos dias em que estive por lá. Voltar para os hotéis depois de um dia intenso é sempre reconfortante, mas retornar apósum dia de tanta sutileza e reflexão é algo aindamais singular. O Butão realmente carrega umaenergia diferente. Difícil controlar a emoção eesquecer uma viagem como essa: em um paísem que a felicidade verdadeiramente reina.

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