Longe vão os anos em que a Cortina de Ferro dividia a Europa em dois mundos e a antiga União Soviética dava as cartas no Leste Europeu. Das longas décadas do Comunismo, sobraram Ladas e Trabants circulando pelas ruas, imensos edifícios de arquitetura brutalista, ruínas aqui e ali, uma atmosfera kitsch no ar. Passados mais de 20 anos desde o fim da Guerra Fria, as capitais da Sérvia e da Romênia estão em franca ebulição.

A um cenário de inquietação artística e cultural juntam-se agora hotéis design, restaurantes contemporâneos, cafés moderninhos e um clima cool que invade a madrugada, os rooftops, os edifícios abandonados. A sensação que se tem é a de estar em Kreuzberg ou Neukolln, dois dos bairros mais alternativos e vibrantes de Berlim. Os néons comunistas (agora apagados) continuam a enfeitar arranha-céus, os ambientes decorados com veludos e dourados insistem em resistir e a cena underground está ganhando as ruas. Se até pouco tempo atrás o repertório turístico do Leste Europeu se resumia a incursões por Praga e Budapeste, está na hora de ir mais longe.

Bem-vindos a Belgrado e Bucareste, as metrópoles que estão colocando o seu lado B no mapa.

BELGRADO

Ruínas da Fortaleza de Kalemegdan Bruno Barata
Bondes elétricos percorrem o centro da cidade Bruno Barata
Fachadas históricas estão por toda parte Bruno Barata

Uma das maiores estrelas das artes performáticas do Leste Europeu, Marina Abramović esteve em cartaz com a exposição The Cleaner no Museu de Arte Contemporânea de Belgrado até o último mês de Janeiro. Até aí, nenhuma novidade em relação à maior e mais significativa retrospectiva de seu trabalho, com passagens aclamadas por países como Itália, Alemanha e Dinamarca. A surpresa foi o fato de a artista ter escolhido a sua cidade natal, onde, em mais de quatro décadas, nunca havia feito uma exposição solo, para o grand finale do tour. E em grande estilo, coroando a reabertura do museu, o maior de arte iugoslava do mundo, fechado por mais de dez anos para reformas estruturais.

O sucesso estrondoso, suficiente para girar os holofotes em direção a um dos mais jovens países do Leste Europeu (a Sérvia foi fundada apenas em 2006, depois da independência de Montenegro), é apenas mais um indício do momento especial da metrópole estrategicamente localizada às margens do mítico Rio Danúbio, justo na sua confluência com o Rio Sava, onde as novidades não param de pipocar. Nos últimos anos, Belgrado viu nascer clubs e centros culturais descolados como o Dim; as baladas em barcos ancorados nos rios se consolidaram como a marca registrada local; e surgiram rooftops concorridíssimos que poderiam estar em Paris ou Nova York, como o do hotel Mama Shelter, que levou cor e pitadas de Philippe Starck para a cidade. A gastronomia se reinventou, bons restaurantes étnicos aterrissaram – caso do japonês Ebisu, no terraço do incrível hotel Square Nine – e a boa e velha raika, o típico destilado dos Balcãs, ganhou a concorrência de elaborados coquetéis em bares especializados, como o Kultura. Até o Museu Nacional reabriu suas portas recentemente, depois de ter permanecido fechado por mais de 15 anos, contrariando todas as expectativas – e devolvendo à cidade um acervo que percorre do Paleolítico até o século 20, com obras incríveis de artistas internacionais como Tintoretto, Rubens, Van Gogh e Mondrian.

Esse é o lado bom. O lado do Leste Europeu, melhor ainda é que todas essas novidades convivem lado a lado com séculos de uma história narrada em camadas, seja nas ruínas da Fortaleza de Kalemegdan, com mais de 1200 anos de idade, seja nas salas exuberantes do complexo do Palácio Real de Karadjordjevic, dos anos 1920 e 1930. Fachadas de arquitetura otomana, barroca, gótica e art nouveau esbarram-se com blocos de edifícios comunistas em ruínas e paredes cobertas de grafite. Brechós dividem a cena com os maiores nomes da fast fashion. E a vida segue sem pressa ao som dos acordes que emanam do piano de cauda em uma das maiores instituições locais, o lendário Hotel Moskva, entre sofás de veludo vermelho e garçons de fraque, ao sabor da tradicional – e old school – torta local, batizada com o nome do hotel: um bolo gelado de massa amanteigada com abacaxi, cerejas e lascas de amêndoas. Há coisas que nunca mudam. E ainda bem.

BUCARESTE

O badalado Origo Coffee Shop: os cafés são uma febre na cidade Bruno Barata
O FIX Botanical Bar Bruno Barata
Herança do período comunista na arquitetura do centro da cidade Bruno Barata

O mesmo Danúbio que nasce no coração da Floresta Negra, na Alemanha, e banha cidades imperiais como Viena e Budapeste, vence, a partir da capital sérvia, os Montes Cárpatos, passa por fortalezas seculares e singra um dos mais longos cânions da Europa, chamado Iron Gates, até bater às portas da vizinha Romênia, na margem oposta, onde pouco depois vai desaguar no Mar Negro. Famosa muito mais pelas lendas do Conde Drácula e pelas misteriosas terras da Valáquia e da Transilvânia, a Romênia começa a despontar também como destino de uma das capitais mais cosmopolitas e vibrantes do pedaço.

Se, por um lado, a capital Bucareste carrega o peso de elefantes brancos como o Parlamento – o segundo maior edifício administrativo do mundo, um colosso de 350 mil metros quadrados erguido no auge do regime comunista, nos anos 1970 –, por outro, ela revela a graça de ter sido governada por uma próspera monarquia que, no final do século 19 e início do 20, ergueu uma coleção de edifícios inspirados na capital francesa – o que acabou lhe rendendo o apelido de Pequena Paris. Grande, agitada e casa de cerca de 2 milhões de habitantes, a metrópole romena tem o seu próprio Arco do Triunfo do Leste Europeu, palacetes de ares neoclássicos que nem sempre envelheceram muito bem (o que lhe confere um charme todo especial) e uma avenida que exala os anos de glórias da belle époque (a Calea Victoriei), onde fica um de seus monumentos mais emblemáticos: o Ateneu Romano, cujo domo se ergue a mais de 40 metros de altura, atual sede da Orquestra Filarmônica George Enescu. Agora, misture tudo isto a modernos arranha-céus, templos ortodoxos, blocos de arquitetura brutalista, fachadas art déco e… Voilà! Eis a alma de Bucareste.

TERESA PEREZ INDICA

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Onde Ficar

Epoque Hotel, Bucareste

No centro de Bucareste, pertinho do Parque Cișmigiu, o Epoque Hotel está instalado em um elegante edifício neoclássico. Os hóspedes podem relaxar em varandas com mesinhas ao ar livre ou no spa com piscina interna aquecida. Já no restaurante L’Atelier, o chef Samuel le Torriellec propõe um menu que combina especialidades romenas com clássicos franceses. Outra dica: aproveitar as bikes proporcionadas pelo hotel para explorar a cidade.

Square Nine, Belgrado

O incrível projeto assinado pelo arquiteto brasileiro Isay Weinfeld, no centro histórico, é uma deliciosa volta aos anos 1950. Os elegantes ambientes exibem móveis escandinavos e privilegiam o uso de madeira, pedras e couro. Alguns dos melhores restaurantes da cidade estão no hotel, supervisionados pelo estrelado chef Eyck Zimmer: o japonês Ebisu, no rooftop, e o The Square, de culinária internacional contemporânea.

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