O grande arrebatamento de um safári africano é provocado pelo encontro olho no olho com a vida selvagem livre em game drives responsáveis, nos quais os animais protagonizam a cena em seu habitat natural intocado.
Lembro como se fosse hoje a primeira vez em que a figura monumental de um rinoceronte, com aquele porte pré-histórico, atravessou meu caminho na África do Sul. E olha que isso já faz mais de 20 anos. Eu estava entrando num mundo infinitamente mais encantado do que uma obra de Walt Disney. Mas você sabia que a beleza de um safári nem sempre foi a contemplação da vida? Essa história é antiga, cheia de curvas escorregadias, e está longe de ser simples. Remonta aos séculos 18 e 19, época em que mercadores e colonizadores europeus viam na caça uma atividade rentável somada a boas doses de aventura. Aprisionar ou abater feras indomáveis e voltar para casa com troféus – que iam de peles, chifres, marfins e cabeças até mesmo ao animal inteiro – era a prova da coragem de enfrentar os perigos da selva e exibir gloriosas façanhas.
DOS TIROS AOS CLIQUES
Caçadores famosos como o inglês William Cornwallis Harris visavam não apenas o jogo de capturar grandes animais – daí o nome big five relacionado aos cinco mamíferos de grande porte mais difíceis de serem capturados pelo homem: elefante, leão, rinoceronte, búfalo e leopardo – como também documentar suas proezas para mostrar ao mundo. De modo semelhante, em 1933, o escritor Ernest Hemingway e sua esposa, Pauline Pfeiffer, viajaram pelo Serengeti em uma aventura que durou cerca de dois meses pela África Oriental, articipando de um safári de caça que rendeu a obra literária de não ficção As Verdes Colinas de África. O livro aborda o fascínio da caça e, em especial, a perseguição ao antílope, alvo favorito do autor em função de seus enormes chifres retorcidos.
Felizmente, vai ficando na poeira o tempo em que o olhar penetrante de um animal selvagem era intermediado pela mira de um rifle ou pela malha de uma gaiola. A mira agora vem, na maioria das vezes, de semblantes embevecidos por trás de lentes fotográficas. Dos tiros aos cliques. O troféu evoluiu para um belo álbum de fotografias com memórias inesquecíveis. Fazer um safári nos dias atuais tem uma conotação diferente e significa, também, participar do apoio às comunidades locais na preservação da vida. É de arrepiar a emoção de ver uma família de leões repousando à sombra de uma árvore ou de acordar com os bramidos dos elefantes no conforto de uma tenda em plena selva. E não importa se é a primeira aventura ou se você já é um habitué da savana. As paisagens magníficas, o astral mágico dos lodges e sobretudo cada encontro, seja num walking safari, seja em um jipe 4×4, têm o poder de roubar a cena. Desembarcar na África é dar de cara com nossa ancestralidade, com o marco zero da humanidade. O resgate dessas raízes é a chave de mudança do nosso tempo em prol da missão de cuidar do planeta.
Felizmente, vai ficando na poeira o tempo em que o olhar penetrante de um animal selvagem era intermediado pela mirade um rifle ou pela malha de uma gaiola.
Fazer um safári nos dias atuais tem uma conotação diferente e significa, também, participar do apoio às comunidades locais na preservação da vida
ALÉM DO HORIZONTE
Safári, no idioma africano suaíli, significa “viagem” ou “sair em jornada”, e foi exatamente com o objetivo de iniciar uma nova maneira de viajar pela savana e sair em uma jornada transformadora que o primeiro parque nacional da África do Sul foi idealizado, no início do século 20. Chamado inicialmente de Parque Governamental de Vida Selvagem, hoje o Kruger National Park é um imenso santuário. Ostenta uma área de aproximadamente 20 mil quilômetros quadrados no nordeste do país, o que corresponde ao tamanho do estado de Sergipe, no Brasil. O nome foi dado em homenagem ao pioneirismo de Paul Kruger, presidente da extinta República Sul-Africana, uma república auto-proclamada durante a “grande jornada”, quando os bôeres fugiram da Colônia do Cabo, ocupada pelos britânicos, após a abolição da escravatura. Uma figura que olhava além do horizonte. Nascia ali o embrião do turismo africano sustentável.
Em 1927, os primeiros carros de passeio atravessavam o portão principal dessa imensa reserva – que contabiliza 350 quilômetros de extensão de norte a sul e 60 quilômetros de leste a oeste – com a única intenção de desfrutar das belezas da fauna e a da flora de uma rota que até então era trilhada por caravanas exploratórias. Menos de cem anos se passaram e o Kruger National Park agora recebe mais de 1 milhão de visitantes anualmente, sendo o destino número 1 de safáris do mundo. Assim, as viagens para a África do Sul começaram a se traduzir em jornadas catárticas, impregnadas de emoção.
Embora o Kruger National Park seja o pioneiro, o maior e o mais conhecido do país, ele é apenas um dos 19 parques nacionais debaixo do guarda-chuva da South African National Parks (SANParks). Além deles, existem reservas privadas espetaculares no entorno do Kruger, entre as quais se destacam Singita Game Reserve, Sabi Sands, MalaMala, Thornybush, Timbavati, Madikwe e Tswalu Kalahari, essa última na fronteira com Botsuana.
O turismo de qualidade tem o poder de beneficiar um destino. Termos a chance de viajar para lugares incríveis e, ao mesmo tempo, compactuar com um legado é um privilégio
ROUPA NOVA
É fácil perceber que um leque de possibilidades se abriu e que o turismo sul-africano ganhou nova roupagem e consciência ambiental. No entanto, a revolução dos safáris regenerativos, focados em oferecer uma experiência enriquecedora enquanto os turistas contribuem ativamente em ações de preservação e geram impacto positivo na economia local, tem na figura de Luke Bailes uma de suas principais engrenagens. O criador da marca Singita vem reeditando com sabedoria uma história familiar que teve início em 1925, quando seu avô comprou terras de caça na África do Sul. O caminho foi longo. E culminou com uma mudança radical de parâmetros quando Bailes abriu o ultraluxuoso Singita Ebony Lodge (1993), na reserva particular da família, onde as espécies locais são protegidas. Sete anos depois, o primogênito ganhou o irmão Castleton. Hoje, o grupo Singita faz um trabalho inspirador em quatro países da África (África do Sul, Zimbábue, Ruanda e Tanzânia), tendo uma coleção de 17 propriedades que são referência em qualidade, sustentabilidade, ecoturismo e empoderamento das comunidades locais. Ele afirma: “Preservar e proteger grandes áreas do território africano para as futuras gerações é a nossa principal razão de ser”. Bailes foi pioneiro em estabelecer um conceito inédito de turismo na África conciliando luxo, preservação e desenvolvimento social. É fato inegável que o turismo de qualidade tem o poder de beneficiar um destino. Termos a chance de viajar para lugares incríveis e, ao mesmo tempo, compactuar com um legado é privilégio total.
Recentemente, estive em vários lodges e camps do continente africano, inclusive Singita, onde não só vivi encontros espetaculares com a vida selvagem, o que parecia ser meu propósito número 1, como fui além. Os safáris modernos transformaram- se em experiências multifacetadas, cheias de significado. Revertem recursos em prol de projetos comunitários que honram os povos africanos e criam consciência em torno da preservação, sem esquecer em momento nenhum da hospitalidade e do acolhimento. Recebi sorrisos por onde passei, ensaiei passos de dança, aprendi palavras em novos idiomas e até ousei falar com estalos de língua, uma ferramenta de comunicação usada por algumas tribos africanas.
Paralelamente, o design dos acampamentos modernos inclui o espírito das tendas típicas da região em versões extremamente luxuosas e seguras. O bem-estar vem atrelado à experiência com belos spas e até aulas de yoga. A sensação de paz e quietude que a savana imprime é energizante. Os lodges também oferecem vivências singulares, como observação de estrelas, visita às unidades de combate à caça clandestina com cães farejadores, comércio de artesanato, contato com comunidades locais e escolas, rituais africanos e danças. Por proporcionar essa infinidade de experiências, pelo padrão da hotelaria, por ter logística mais fácil em termos de deslocamento e por acolher pessoas de todas as idades, a África do Sul se confirma um destino perfeito para a primeira experiência de safári – tanto para viagem em família como romântica, ou até mesmo voo solo. E, como estamos falando da África do Sul, não podemos deixar de fora seus famosos vinhos e a gastronomia, que, aliás, a cada dia surpreendem mais. Enfim, se as melhores viagens são aquelas que divertem, revigoram, ensinam e trazem reflexão, a África do Sul é um desses destinos. Além de reservar momentos que ficam marcados na memória em propriedades intimistas e de proporcionar game drives com elenco digno de O Rei Leão, o país tem o poder de revelar quanto o turismo consciente pode ser transformador. Depende de nós!
TERESA PEREZ INDICA
Reserve com a Teresa PerezOnde Ficar
andBeyond Phinda Mountain Lodge
Phinda é uma reserva extraordinariamente rica. Dentro de seus limites encontram-se savana, floresta, pântano, rio, lago e montanha. Os lodges &Beyond estão em diferentes pontos da reserva, e os hóspedes podem se aventurar tanto em safáris – Phinda é lar de leões, girafas, guepardos… – quanto em mergulhos – as praias do Índico ficam a meros 30 quilômetros dali.
Molori Safari Lodge
Próximo ao deserto do Kalahari e à fronteira com Botsuana, o Molori Safari Lodge possui cinco quartos elegantemente decorados e cercados por paredes de vidro. Amplos decks circundam a piscina de borda infinita ornamentada pela rica vegetação local. Intimista, o hotel oferece atividades personalizadas de acordo com o desejo dos visitantes: desde safáris até observação astronômica.
Lion Sands Ivory Lodge
Dos decks externos ou das amplas janelas, a paisagem que se vê é a do majestoso Rio Sabi em meio à savana. As suítes do Ivory Lodge ficam em posições estratégicas na região do Kruger Park. A variedade de animais torna os safáris particularmente emocionantes nesse ponto da África do Sul. Não é raro que elefantes e zebras se aproximem dos lodges para refrescar-se no Rio Sabi.
Singita Ebony Lodge
A rusticidade da arquitetura reflete a identidade africana e confere ao Singita Ebony Lodge uma atmosfera familiar. Sua estrutura proporciona uma experiência única do deck de madeira, de onde avistam-se búfalos, elefantes e antílopes circulando em liberdade a qualquer hora do dia.