Imagine a reação dos sérios inspetores do Michelin, como são chamados os críticos gastronômicos do famoso e centenário guia, diante da desconcertante originalidade dos pratos preparados por Dabiz Muñoz que chegavam às suas mesas.

O chef do restaurante, com cara de roqueiro punk, tinha recebido uma estrela aos 31 anos e agora, aos 33, parecia já ter direito às máximas três estrelas, o que seria raríssimo para os padrões do guia, pulando a segunda. Revelou- se depois que diferentes duplas de críticos (sempre anônimos) voltaram ao DiverXO de Madri nada menos de dez vezes. Em Paris, sede do Michelin, queriam ter a certeza de que o espanto de quem comeu lá justificava premiar o talento de Dabiz Muñoz. Assim foi e, desde 2014, o DiverXO é triestrelado, o único na capital espanhola. E para adicionar ainda mais fascínio à trajetória do rapaz com cabelo moicano, brincos, piercings e que só veste preto, ele foi nomeado o Melhor Chef do Mundo pelo The Best Chef Awards na edição 2021.

Chef Dabiz Muñoz Adriaan Van Looy

Para tentar entender esse fenômeno, conversamos com ele que, já no nome, indicou ser diferente de todos: seu nome é David, mas renunciou a ele por ser “muito comum”. E queria um restaurante que fosse diverso em sua proposta – e por que não o chamar DiverXO? Agora, com 43 anos completados em janeiro, Dabiz Muñoz continua um foguete com múltiplas ogivas, espalhando seus XO de maneira nuclear: tem também StreetXO e GoXO em Madri e Barcelona, food trucks e delivery com hambúrgueres e cachorros-quentes “muy locos” – que, assim como o DiverXO, navegam sob a influência das cozinhas tailandesa, indiana, japonesa, mexicana, espanhola e o que mais vier à sua cabeça, mas sempre com seu toque subversivo. E inaugurou o já estrelado RavioXO em Madri – com o nome que lembra ravioli e dedicado às massas, não só italianas, mas também asiáticas, como o dumpling e o dim sum.

Salão do DiverXO. Único restaurante três estrelas Michelin de Madri Javier Peñas

Entre seus pratos reconhecidos como icônicos (ele deve odiar a expressão), estão o dumpling com orelha de porco crocante e molho chinês Hoisin de morango; a salada de leitão e vôngole; Las croquetas de la Pedroche, croquetes com molho branco de leite de ovelha, molho kimchi e sashimi de atum; o taco de milho azul com polvo galego grelhado; o caviar assado no forno tandoori com curry Vindaloo; as perninhas de rã tipo chicken massala e a carne de wagyu de Kagoshima com pasta de tamarindo. Mas há um problema ao descrever os bocaditos e pratos de Dabiz Muñoz: é quase impossível transmitir as sensações provocadas por cada um. O Michelin avisa em seu comentário sobre ele: “Esqueça todas as suas ideias preconcebidas sobre comida… hedonismo puro!”

Dabiz Muñoz: “Queremos transmitir a ideia de que, se você estiver vendo um porco com asas… tudo é possível aqui.”

Dabiz Muñoz é casado com a apresentadora de televisão e influencer Cristina Pedroche, que produz seu estilo irreverente de vestir e com a qual explodiu no Instagram durante a pandemia, cozinhando juntos e provocando uma erupção de pedidos dos pratos inventados por ele com ingredientes simples, Dabiz não vê limites para o gosto e costuma dizer aos clientes do DiverXO, localizado na Calle Padre Damián, 23: “Queremos transmitir a ideia de que, se você estiver vendo um porco com asas… tudo é possível aqui.”

PUBLICIDADE
Nobu Ibiza Bay
Nobu Ibiza Bay

A seguir, nossa conversa com esse cozinheiro que assume o risco de reduzir a tradição a cinzas para exercer sua inventividade sem limites, que ele diz só ser possível com uma “fé cega em si mesmo”.

Adriaan Van Looy

ENTREVISTA

O que significa XO em seus restaurantes?

As letras XO foram incorporadas desde o início para mudar a palavra “Diverso”, que é escrita com “S” e nós a mudamos para “X” para significar “diversidade”. Na época em que abrimos, havia muita influência asiática e existe um molho cantonês chamado XO. Mas com o passar dos anos, seu significado evoluiu e agora representa uma filosofia de vida, uma cultura de trabalho na qual tudo tem a ver com criatividade, experiências únicas, fantasia e surpresas.

Você pode dar a nós, brasileiros, uma visão de sua gastronomia?

Digo que desde sempre sou absolutamente obcecado por fazer experiências únicas que sejam memoráveis, criativas e absolutamente diferenciadoras, seja em um restaurante três estrelas Michelin, seja em um food truck ou em delivery.

Pergunta inevitável: como se sente ao ser eleito o Melhor Chef do Mundo e ter alcançado as três estrelas Michelin aos 33 anos? O que acrescentou à sua personalidade ter conseguido algo tão difícil para quase todos os chefs do planeta?

Desde o primeiro dia, eu tentei relativizar os prêmios e reconhecimentos. É verdade que ser eleito o Melhor Chef do Mundo ou ter o restaurante classificado com três estrelas Michelin são distinções espetaculares, mas eu acho que o melhor é pensar que tudo isso é a consequência do que se faz e não o fim. Além disso, esses prêmios são realizações incríveis, mas são efêmeros, ou seja, você pode receber o título de Melhor Chef do Mundo em 2021, mas, se não o justificar ano após ano, este reconhecimento se dissolve.

Embora você tenha sofrido quando começou a trabalhar em cozinhas com estrutura militar, horas de trabalho intermináveis e a autoridade ditatorial de chefs neuróticos, você permaneceu na profissão. O que mudou em você como líder de equipe hoje?

Foi uma época diferente para a profissão em geral, os tempos mudaram para melhor e essa é a maneira como o mundo XO é dirigido. A cultura que estamos construindo pouco a pouco é para onde queremos ir, não onde queremos estar, percorrendo um longo caminho. Eu, como chef, mudei muitas coisas e vamos continuar mudando; afinal, em todo o mundo XO há muito talento trabalhando, eles são os melhores da classe e podemos ter estrutura suficiente “para comernos el mundo”.

O GoXO de Barcelona nasceu dos efeitos da pandemia, com seus outros restaurantes fechados. Você e sua esposa Cristina Pedroche estavam cozinhando em casa e postando os vídeos no Instagram, com pessoas desejando a todo momento pedir seus pratos. A pandemia, de alguma forma, causou uma mudança na sua forma de pensar sobre comida?

Mais do que mudar minha maneira de pensar sobre alimentos, a pandemia mudou, acima de tudo, minha maneira de entender o mundo XO. Mudou muito a maneira como eu abordei a estrutura comercial e os objetivos culinários dentro da própria empresa. A pandemia me ajudou a abrir janelas que eu não tinha visto até então e surgiram coisas como a entrega “GoXO”, food trucks, RavioXO e outras que estamos planejando e que vamos contar pouco a pouco em 2022.

O GoXO em Barcelona não tem garçons. É uma tendência?

O fato de o GoXO Barcelona não ter garçons me leva de volta à primeira era do StreetXO, que nasceu há oito anos como um bar em que não havia um único garçom, eles eram apenas cozinheiros. O GoXO é um conceito diferente do StreetXO, mas acho que o princípio lembra um pouco o primeiro StreetXO que ficava na Plaza de Callao (o atual StreetXO, de comida fusion asiática, funciona na loja de departamentos El Corte Inglés, na Calle Serrano, marca para a qual também desenvolvemos uma série de molhos).

Quais pratos lhe deram mais alegria ao criá-los?

Todos os pratos continuam a me dar muita alegria, mas sobretudo aqueles sobre os quais desde o primeiro momento tenho a certeza de que são algo especial, que abrem um novo caminho – esses são os pratos que provavelmente me fazem sentir mais orgulhoso. Eles aconteceram ao longo dos anos e continuam a acontecer hoje. Na verdade, trabalhamos incessantemente para criar aqueles pratos que abrem novos caminhos.

Desde sempre, sou absolutamente obcecado por fazer experiências únicas que sejam memoráveis, criativas e absolutamente diferenciadoras, seja em um restaurante três estrelas Michelin, seja em um food truck ou em delivery.

Você já disse que os alimentos nunca são apenas alimentos. O que mais?

A comida é muitas coisas, é contexto, é cultura… Em restaurantes como o DiverXO, existem dois tipos de satisfação, uma é a satisfação do intelecto e a outra é a satisfação fisiológica. Acho que no DiverXO elas seguem juntas, embora, se eu tivesse que escolher uma, eu falaria acima de tudo da satisfação fisiológica. Pode-se viver sem satisfação intelectual, mas se fosse o contrário, faria pouco sentido.

A sua recente viagem à Dinamarca, para comer nos melhores restaurantes de lá, mudou alguma coisa para você, em um mundo tão saturado de conceitos?

Todas as viagens me trazem conhecimento, especialmente indo a lugares onde há pessoas muito talentosas pensando novas maneiras de entender a gastronomia, novas formas de restaurantes e novos conceitos. Eu sempre digo que a única maneira de continuar sendo criativo após 15 anos é seguir estudando e aprendendo, e todas essas viagens me abrem portas e me ensinam coisas novas.

Javier Peñas

O que Dabiz Muñoz pretende deixar para a próxima geração de cozinheiros?

Não sei, é um pouco estranho responder a essa pergunta em primeira pessoa, mas talvez eu destaque a cultura de esforço que sempre carreguei comigo. Essa cultura e a fé cega em si mesmo, eu considero válidas para qualquer área da vida. Ambas as coisas bem compreendidas, juntamente com uma dose perfeita de ambição fazem você superar muitos limites próprios e muitas barreiras.

    Voltar ao Topo