Assim como Shangri-lá e seu enigma de paraíso secreto, o antigo Ceilão tinha a aura de um lugar lendário e distante no mapa, com suas histórias de reinos que pareciam saídos de um conto de fábulas e templos impressionantes ornados pela serenidade das estátuas do Buda.

Hoje, com seu nome mudado após o fim da dominação inglesa, o Sri Lanka preserva sua essência mítica com sítios históricos que datam de séculos e as plantações de chá que ondulam nas montanhas. Sua mescla de influências, com indianos, portugueses, holandeses e britânicos, recebe agora os chineses e seus empreendimentos e hotéis, que se espalham por essa ilha no Oceano Índico, ao sul da Índia e ao norte das Maldivas.

Era natural a expectativa ao chegar em Colombo, principal centro econômico e cultural do país e um porto importante por sua posição estratégica nas antigas rotas comerciais marítimas, entre a Europa e o Oriente Médio, de um lado, e a Ásia, do outro. Uma vez hospedada, comecei um walking tour para admirar os edifícios coloniais na área do forte, em Galle, e nas ruas de Pettah, lembrando que essas construções são uma herança dos europeus pelo país – e ao longe, o skyline mostra a presença dos chineses, não podendo faltar a imensa torre panorâmica se destacando sobre a cidade.

Preferi mergulhar na história do país e seus símbolos indo ao Museu Nacional; ali, chamam atenção as joias da coroa e o trono do último rei baseado na cidade de Kandy (devolvidos ao Sri Lanka pelo governo britânico). O museu está ao lado do Parque Viharamahadevi e seu Buda gigante e, perto dali, o Templo Gangaramaya exibe uma infinidade de estátuas, pinturas budistas e museu, mais ou menos como os outros templos pela cidade. 

Cerimônia de boas-vindas, com lamparina a óleo Matthew Williams-Ellis

ROAD TRIP CINGALESA E O TRIÂNGULO CULTURAL 

Saí de Colombo, em alguns lugares inebriada pelo cheiro da canela, noz-moscada, cravo e outras especiarias, e mergulhei no fantástico Triângulo Cultural, formado no centro da ilha por Anuradapura, chamada de cidade santa do budismo cingalês, com muitas ruínas atestando ter sido capital do reino do Ceilão por dez séculos e por onde se sucederam 119 reis; pela histórica Polonnaruwa e pela vila sagrada de Kandy. São 2.500 anos de história exibida nos vários monumentos reconhecidos como Patrimônio Mundial pela Unesco.  

Por onde se anda, é possível ver templos majestosos como o Dambulla ou outros em ruínas, a Fortaleza de Sigiriya fincada no rochedo, dagobas (santuários em forma de cúpula contendo relíquias do Buda ou de um santo budista), estátuas, mosteiros e velhos palácios reais, podendo-se acompanhar de perto cerimônias budistas em alguns desses locais históricos. Nos trajetos, belas paisagens passando por lagos, arrozais, jardins delicados e vilarejos, avistando animais como elefantes e os agitados macacos. Cerca de 12 quilômetros a leste de Anuradapura, fica Mihintale, considerada o berço do budismo cingalês. Sua principal atração é uma cordilheira de mesmo nome, com três colinas por onde se espalham ruínas de templos, enormes dagobas e uma imensa estátua branca do Buda.  Não por acaso, em junho, o lugar é tomado por milhares de peregrinos vestidos de branco para celebrar o Poson Poya (dia do nascimento do budismo no Sri Lanka no século 3 a.C.). 

De volta a Anuradapura, a rota sinaliza o Templo Dourado de Dambulla, que recebe peregrinos há 22 séculos. Encravado em uma rocha com vistas para a planície, tem cinco grutas com imagens do Buda (lá afirmam que ele, ou Gautama, visitou o Sri Lanka três vezes) e de outras deidades que recebem oferendas de nenúfares e flores-de-lótus. Ali vi um bando alegre de jovens, todos também de branco. Tem ainda nada menos que 157 murais e tetos pintados em seu interior. Em uma palavra: deslumbrante.

Patrimônio Mundial pela Unesco, a Fortaleza de Sigiriya Matthew Williams-Ellis

SIGIRIYA, O CARTÃO POSTAL NACIONAL

Se ficar impressionado com Dambulla, prepare-se para conhecer a Fortaleza de Sigiriya. Também chamada de Rocha do Leão, ela se ergue num rochedo sobre a selva e data do século 5 antes de Cristo. Suas grutas e cavidades foram usadas no século 3 de nossa era como refúgio para monges budistas e, no século 5, como esconderijo dos bens do rei Kasyapa num enredo de lutas e traições. O complexo reúne jardins geométricos, piscinas, fontes, construções e imagens do Buda. Visite o museu antes de subir até o alto do rochedo para ver a piscina real, o trono, as cavernas com belos afrescos, como as Meninas das Nuvens, e os vestígios do grande palácio. Tudo justificando por que Sigiriya é o símbolo nacional do Sri Lanka.  

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Na sequência da viagem, cheguei a Polonnaruwa, segunda capital do país e sede dos reis cingaleses dos séculos 11 ao 13. Rodeada pelo Lago Parakrama Samudra, fica no umbigo do Triângulo Cultural do Sri Lanka. Lá, impressionam as estátuas dos Budas de Gal Vihara esculpidas numa parede rochosa, além dos templos, palácios, dagobas e deidades, que também surpreendem pelo tamanho e pela riqueza de detalhes. E seu Museu Arqueológico é o mais rico do Sri Lanka.

Estátua de Buda, na antiga capital Polonnaruwa Matthew Williams-Ellis

KANDY, A ÚLTIMA CAPITAL REAL

Kandy, também no centro do país e um pouco mais ao sul de Polonnaruwa, é cercada por montanhas cobertas de plantações de chá e foi a última capital real.  

Se Mihintale foi o berço, Kandy é hoje o maior centro religioso e a capital do budismo cingalês, visto que a cidade abriga, em um templo do Complexo Real, o Dente Sagrado – preciosa relíquia ligada à história do país. O complexo está situado em torno do Lago Kandy, que abarca o Templo do Dente e o Grande Palácio Real, talhados ao estilo da antiga arquitetura do país. Lá, encontrei pessoas orando e fazendo oferendas a Buda com flores-de-lótus e jasmim. Em todos os momentos senti muita serenidade. 

Royal Summer House, em Kandy Matthew Williams-Ellis

A ROTA DO CHÁ 

A partir de Kandy e em direção a Nuwara Eliya, se encontra o traçado mais bonito da Rota do Chá, outra das grandes atrações cingalesas. Nuwara Eliya é a cidade mais alta do país e está no coração das plantações. De carro ou de trem entre as duas cidades, em trajeto construído para os pioneiros do chá do final do século 19, a rota descortina pequenas vilas coloridas, cachoeiras, montanhas, florestas tropicais, campos de arroz e, claro, as inúmeras plantações de chá montanha acima, enquanto se ouvem cigarras e pássaros cantando. A natureza exuberante é o principal cenário dessa Rota do Chá – há plantações em outras partes do país, mas nenhuma se iguala à beleza do trajeto entre Kandy e Nuwara Eliya. 

Plantação de chá em Nuwara Eliya Matthew Williams-Ellis

CEYLON TEA

Trazido da China pelos britânicos em 1864 e cultivado a partir de 1867 pelo escocês James Taylor, o famoso Ceylon Tea se tornou sinônimo do que há de melhor em aroma e sabor. Perito de Kandy, na Geragama – uma das várias empresas que processam as variedades plantadas e produz cerca de 25 tipos de chá –, uma parte dos lotes é vendida em leilões disputados, em que compradores de grandes marcas globais fazem seus lances para os blends próprios que vemos em caixas de rótulos luxuosos. Outra parte vai para o mercado com marca própria. As pessoas que trabalham ali são muito simpáticas e adoram ser fotografadas.

No Sri Lanka, o chá é cultivado desde o século 19 Matthew Williams-Ellis

INDO ALÉM

Partindo de Kandy, a cerca de 1 hora de carro em direção a Colombo, está o Orfanato de Elefantes de Pinnawala, uma das etapas mais encantadoras da viagem. Situado numa das mais antigas reservas florestais do mundo, mantém, alimenta e cuida com carinho de dezenas de elefantes. Pode-se ajudar a dar banho neles, alimentá-los com batatas e frutas ou vê-los se refrescando na água. Os elefantes são parte integral da cultura do Sri Lanka e há uma parada anual famosa, a Esala Perahera, desfile com os animais enfeitados que acontece em Kandy todo mês de julho ou agosto (a escolha, segundo os cingaleses, depende da posição das estrelas). 

Para os culturalmente curiosos, além dos fiéis budistas, hindus, cristãos e muçulmanos, um lugar praticamente obrigatório na viagem é Sri Pada, localizado um pouco mais ao sul do que os destinos anteriores. Com 2.243 metros de altura, a 40 quilômetros de Ratnapura e a 32 quilômetros de Hatton, é um local de peregrinação que atrai todo ano cerca de 20 mil pessoas, que escalam o pico para ver uma depressão na pedra parecida com um pé, no topo do Pico de Adão. Para os budistas, a marca no chão é do pé do Buda, os hindus acreditam que pertence ao deus Shiva e os muçulmanos e cristãos creem que foi o primeiro passo dado por Adão após o Éden. Para chegar ao topo, a rota mais procurada é a de Hatton, curta e íngreme, em caminho pavimentado e com iluminação na maior parte da subida. Hatton rivaliza com Nuwara Eliya como uma das mais importantes produtoras de chá e, com seus belos jardins, clima frio e chuvas, foi apelidada pelos plantadores de chá coloniais de Pequena Inglaterra. 

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Embora não seja muito grande, a ilha é dona de uma série de belas praias, com boa escolha de hospedagem e atividades no mar. Entre elas, estão Tangalla, Mirissa, Uppuveli, Nilaveli, Arugam Bay e Bentota, uma das mais desertas. Nelas, barcos de madeira navegam e pescadores se equilibram em pettas, estacas de madeira presas a uma palafita, formando um cenário mágico de conexão com o mar. 

Pescadores equilibrados em pettas. Matthew Williams-Ellis

SABORES EXÓTICOS

A gastronomia cingalesa é bem variada, com influência natural da culinária indiana, e seu prato mais popular é o rice & curry, servido nos restaurantes e na rua com legumes, carne, ovo e frutos do mar. Esses ingredientes estão em quase todas as receitas, muitas vezes em preparações apimentadas, como os tradicionais lamprais, arroz com carnes e legumes embrulhados em folhas de bananeira e assado em forno. Dicas: em Colombo, o bairro de Galle concentra os melhores restaurantes, como o Paradise Road The Gallery Café, que tem decoração linda e boa comida de várias influências. O descolado Sugar Bistro e, perto do Parque Viharamahadevi, o Upali’s permitem conhecer vários pratos típicos cingaleses. E no Ministry of Crab, os caranguejos, que são uma grande fonte de renda para a indústria pesqueira do Sri Lanka, aparecem nas preparações ultra-criativas do chef Dharshan Munidasa, que também assina os menus do Nihonbashi – ambos estão na lista dos 50 Best Restaurants Asia. Você vai comer bem tanto nos pequenos restaurantes familiares quanto nos hotéis, que apresentam a gastronomia local em seus restaurantes. 

NA MALA

Em toda a viagem, é possível encontrar um artesanato lindo, como as esculturas em pedra ou madeira, tecidos (as sedas!), batiks, máscaras, esculturas e as sensacionais safiras azuis e rosas, originais da ilha, que são mundialmente famosas. E, naturalmente, algumas caixinhas do legítimo Ceylon Tea, que ao liberar seu perfume e sabor em nossas casas nos levam de volta ao encantado Sri Lanka. 

Vista a partir do Sri Pada Matthew Williams-Ellis

NA RETINA

Na mala e na retina, a jornada ao Triângulo Cultural do Sri Lanka revela mistérios e belezas desse exótico país no sul da Ásia que ficam impressos na memória, assim como a gentileza de seu povo, a doce melodia das flautas e a delicadeza das nenúfares e das flores-de-lótus aos pés de Buda. Por um momento (ou para a vida) você se conecta com as pessoas e os lugares em sua jornada. E essa é uma das maiores alegrias de viajar.

Publicado originalmente na edição 101 da The Traveller.

TERESA PEREZ INDICA

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Onde Ficar

Shangri-La, Colombo

No centro da maior cidade e porta de entrada do Sri Lanka, o Shangri-La é perfeito para aproveitar o melhor de Colombo. Na vibrante área comercial, com acesso direto a um shopping center e a poucos passos dos melhores restaurantes, o hotel tem suítes com vista para o Oceano Índico, cinco bares e restaurantes de cozinha internacional, health club e spa.

Heritance Kandalama, Dambulla

Contemporâneo e totalmente integrado à natureza, o Heritance Kandalama tem projeto assinado pelo arquiteto Geoffrey Bawa, que criou ambientes interiores minimalistas, em que suítes têm amplas varandas suspensas para revelar vistas do lago ou da floresta ao redor. Aposte na experiência gastronômica proporcionada pelo hotel – de jantares à luz de velas em uma caverna a piqueniques nos campos de arroz com cardápios personalizados pelo chef.

Eliassen Rorbue

Primeiro Relais & Châteaux do Sri Lanka, o hotel reserva apenas cinco bangalôs, com estilos e décor cheios de personalidade. O Ceylon Tea Trails está instalado no topo de um vale a uma altitude de 1.250 metros, com vistas mais do que especiais para as plantações de chá. Quem se hospeda por lá ainda aproveita uma série de atividades – visitas guiadas às fábricas de chás, escaladas, trilhas, passeios nas reservas florestais, caiaque no lago, biking nos vales, tênis e tratamentos relaxantes no spa

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